“Para quê se lê e para quê se escreve além da sala de aula?”
Eu li essa pergunta numa entrevista sobre práticas de letramento com a professora doutora em linguística e mestre em educação, Marildes Marinho. Logo depois tive acesso a produções que iam me fazer pensar sobre a questão em diferentes contextos históricos e socioculturais. Além de reforçar para mim a importância da leitura e da educação na vida de qualquer pessoa.
Começou com o filme O menino que descobriu o vento, produção da Netflix baseada na história de vida do jovem africano William Kamkwamba.
William vivia numa comunidade do Malauí e é de uma família de agricultores. O menino estava super empolgado com o início das aulas, mas por questões financeiras, não pôde seguir com os estudos. Quando foi tirado de William o acesso à sala de aula, ele foi para a biblioteca.
A questão da escola não foi apenas o primeiro problema encontrado por William, ainda com 13 anos. Por causa da seca, o menino estava vendo sua família se desfazer aos poucos e seus amigos irem embora porque não havia mais condições de viver numa terra sem água e comida.
Querendo sobreviver e salvar a sua vila, o menino tem a ideia de colocar em prática a teoria que encontrou nos livros da biblioteca. E constrói um moinho de vento para bombear água da terra e irrigar a plantação. William era um garoto super inteligente, autodidata, que soube usar a leitura, os estudos para mudar a realidade socioeconômica de sua comunidade.
Logo depois veio o livro A Bibliotecária de Auschwitz, do espanhol Antonio G. Iturbe, baseado na história real de Dita Dorachova.
Dita tinha 14 anos quando foi selecionada pelo professor judeu Fredy Hirsh para ser bibliotecária de uma escola clandestina que funcionava no bloco 31, do campo de concentração de Auschwitz.
Havia todo um esquema para fazer a biblioteca funcionar. Tinham as pessoas como livros vivos – aquelas que lembravam das leituras feitas antes do início da guerra ficavam responsáveis por contá-las para as crianças. Cada pessoa era utilizada como uma potência de contar e relembrar o mundo antes da guerra.
Dita era a bibliotecária, enfermeira de livros, e uma biblioteca andante. A menina se arriscava por Auschwitz com os livros escondidos em bolsos do seu vestido.
Por conta da ousadia e coragem de algumas pessoas, os livros e a educação passaram a ser usados como armas de resistência às atrocidades nazistas. A mensagem era que não importava quantos colégios fossem fechados, enquanto houvesse uma pessoa no canto disposta a contar algo para algumas crianças, ali seria fundada uma escola.
Ler em Auschwitz era lembrar do tempo bom, uma vida fora da guerra. Era para fazer renascer a inocência das crianças e como disse o autor Antonio, era “símbolo da vida sem alambrados nem medo”.
Por último fiz a leitura de Longe de casa – Minha jornada e histórias de refugiadas pelo mundo, da vencedora do prêmio Nobel da Paz, Malala Yousafzai.
Malala segue seu propósito de defender a educação feminina e sabe que sua história não é única. E por isso utiliza o seu espaço para contar outras histórias semelhantes e alertar ao mundo sobre as violências contemporâneas que nos afastam da tão sonhada paz e tiram das meninas o direito à educação.
No livro encontramos a história de Najla, nascida numa cidade ao norte do Iraque e de família yazidi (minoria religiosa, nem muçulmana nem cristã). A menina questionou os pais, aos oitos ano, para saber porque ela não ia à escola.
Infelizmente não era de interesse da família e da comunidade educar as meninas. Najla tinha concluído o ensino fundamental e isso bastava para o pai dela. Depois dessa educação básica, o destino era ser dona de casa. Mas sabendo da sua inteligência, a menina se rebelou e fugiu. Passou cinco dias em um monastério nas montanhas. Quando voltou para casa, conseguiu continuar os estudos mas também ganhou o silêncio do pai.
Najla conta que, em 2014, o Estado Islâmico destruiu seus sonhos. Circulavam histórias de que estavam sequestrando e fazendo atrocidades com as mulheres e a comunidade yazidi era um alvo. Foi preciso fugir, sair de casa, largar tudo para tentar sobreviver.
A família foi para o Curdistão e junto com outras tantas famílias viveram numa construção. Lá Najla passou a ensinar as crianças mais novas a ler e a escrever porque queria que elas tivessem esperança.
Então para quê se lê? Para quê educação?
Para ter autonomia.
Para mudar realidades.