Um dia minha Avó me contou uma história:
Um negro, escravo fugido, se apaixonou por uma cigana e a roubou do seu povo. Eles fugiram andando pelo sertão do interior da Bahia. Tiveram uma filha (minha bisavó).
A partir desse momento fiquei sabendo de onde eu vinha, qual era a minha ancestralidade.
Desde que comecei a frequentar o projeto Leia Mulheres tenho a possibilidade de ler diversas histórias sobre o ser mulher. Lemos escritoras de todo mundo com o objetivo consciente de não apenas ler mulher, mas ler mulheres. Posso não frequentar o encontro presencialmente todo mês mas tornei o Leia Mulheres um projeto que faz parte da minha vida. Percebi, ao longo das leituras, a transformação que estava acontecendo comigo em todos os sentidos. Estava mais consciente sobre a sociedade em que vivo e do meu lugar nela.
Esse ler mulheres é um processo de escuta, de ouvir as histórias que foram durante anos silenciadas, colocadas à margem como insignificantes, fora da definição do ser humano homem branco hétero. É combater o que a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie chama de história única ou como diz a filósofa brasileira Djamila Ribeiro, ao pensar práticas de mulheres negras, restituir humanidades negadas.
Eu comecei essa crônica falando sobre ancestralidade porque iniciar esse processo de escuta e transformação sem conhecer e reconhecer quem veio antes de nós, seja no núcleo familiar, seja na luta feminista e antirracista, é impossível.
A escritora cearense Jarid Arraes soube reconhecer a ancestralidade e transformá-la em um projeto, o livro “Heroínas negras brasileiras em 15 cordéis”. Para que, assim como fez diferença na sua vida conhecer mulheres negras heroínas, outras tantas pessoas possam ser atingidas e transformadas ao conhecê-las também. Esse é um processo que podemos chamar de empoderamento através da leitura.
O projeto de Jarid é ainda mais contra cultura dominante por ser feito em literatura de cordel, o tipo de literatura que não tem espaço no chamado cânone literário e nem no mercado editorial brasileiro.
Em 2018 visitei duas grandes feiras literárias e tive a oportunidade de ouvir Jarid. Na ocasião também escutei depoimentos de professoras que utilizaram o livro em sala de aula. Eu não conheci nenhuma das 15 heroínas negras durante meu período escolar e também não lembro de ter contato com a literatura de cordel na época.
Fico feliz que a juventude de hoje esteja ouvindo outras histórias tão cedo. E que as ausências da minha geração tenham se tornado projetos políticos contra a invisibilidade e a história hegemônica.
“A lição é que entregar-se
Nunca é uma opção
Só lutar que muda a vida
Batalhando em união
Com o firme objetivo
De alcançar transformação.”
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- Conheça também: “Quem tem medo do feminismo negro?”, de Djamila Ribeiro, e “O que é empoderamento?”, de Joice Berth
- Leia também: Minha estante era patriarcal demais
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- Conheça o discurso “O perigo das histórias únicas”, de Chimamanda Ngozi Adichie
Que bacana Jen! EU folheei esse livro na livraria e quase comprei, mas era uma livraria cara… Vou voltar a pesquisar sobre ele e incluir nas leituras futuras! Amei o texto!
Oie, Thami! É uma leitura maravilhosa. Espero que goste.
bjão
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