Em janeiro, li o primeiro livro publicado pela nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, “Hibisco Roxo”. Considerado um romance de formação, a obra foi publicada em 2003 e recebeu o Prêmio Commonwealth Writers como “Melhor Primeiro Livro” em 2005.
Além de um romance de formação, considero “Hibisco Roxo” como um romance de despertar. A protagonista e narradora da história é a adolescente nigeriana Kambili e é o despertar, o amadurecimento, dessa garota que vamos acompanhar. Não é uma história bonita, é bem triste e cruel, apesar da sutileza que Chimamanda escolheu para retratar alguns acontecimentos.
A família de Kambili é vítima da colonização europeia e toda a sua imposição de costumes e crenças que fizeram milhares de pessoas renegarem as suas origens e tradições. Além disso, a menina, seu irmão Jaja, sua mãe Beatrice são vítimas também do fanatismo religioso e da violência doméstica, através da figura de Eugene. Um homem que tinha o título de “Omelora – aquele que faz pela comunidade”, era exemplo para todos de sucesso, bom pai e marido, mas em casa era um ser violento e opressor.
Durante anos Kambili e Jaja viveram debaixo do teto desse homem, com suas regras e normas, quase todas amparadas na fé. A mãe era totalmente submissa e silenciosa, um exemplo claro do que a cultura machista faz com uma mulher.
O despertar de Kambili começa quando ela e seu irmão vão passar alguns dias na casa da Tia Ifeoma, irmã do pai Eugene, viúva, mãe de três filhos e professora universitária. Na casa de Ifeoma, eles encontram um mundo totalmente diferente do deles. Mais humilde, simples, econômico e feliz. Jaja tem olhos e atitudes curiosas diante do novo. E Kambili tem olhos comparativos, até de reprovação, e muitas vezes incrédulos, mas mantém sempre a discrição.
A atitude da adolescente me fez pensar no quanto a mulher pode ter mais dificuldade em quebrar tradições e verdades ditas como únicas. Como são/podem ser submissas ao machismo, autoritarismo e fanatismo. E tudo isso é fruto do que foi dito para mulher durante séculos, das subjetividades fabricadas sobre o que é o ser mulher. E Kambili ainda tinha em casa um exemplo de mulher silenciosa e submissa, e seu comportamento era sempre moldado pela opressão e religiosidade excessiva do pai.
O contato com a casa da Tia e com seus filhos, em especial a prima Amaka, transformou os adolescentes. Eles tiveram a oportunidade de conhecer outros modos de viver e de crer, quando saíram da fortaleza criada pelo pai. Eles conheciam apenas um modo de vida, uma verdade única, aquela ditada por Eugene. É fácil compreendê-los, eram vítimas dessa opressão violenta. Eram vítimas da história única.
Em conferência no TED (Technology, Entertainment, Design), Chimamanda nos alerta sobre o perigo da história única, aquela contada sobre qualquer povo ou coisa no mundo e reforçada por todos os cantos como verdade incontestável.
Kambili e Jaja são vítimas da história única, mas antes deles, Eugene. Quando a Nigéria sofreu a colonização europeia foi pregado qual modo de viver (e de crer) era o correto e o melhor. Eugene negava sua língua materna, as crenças e tradições do seu povo, e até seu pai. Isso não justifica as atitudes dele, mas nos faz querer criticar e rebater qualquer possibilidade de poder que dite verdades e histórias únicas.
- Hibisco Roxo foi publicado no Brasil pela Companhia das Letras. Adquira na Amazon e colabore com o blog.
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