Em 3 de janeiro de 1985, aos 7 anos, Libby Day sobreviveu à tragédia que matou suas duas irmãs e sua mãe. O testemunho de Libby levou para prisão o seu irmão mais velho, Ben. Na época, o crime foi apontado pelos habitantes de Kinnakee (Kansas) como o “sacrifício satânico da fazenda”. É nesse clima macabro e dramático que a escritora Gillian Flynn nos apresenta Lugares Escuros (Intrínseca, 2015), mais um bom thriller psicológico.
A história da Família Day nos é contada a partir de três perspectivas: no presente, os relatos de Libby; no passado, os relatos da véspera e do dia do crime narrados pela mãe Patty Day e por Ben.
Libby se tornou uma pessoa reclusa, desmotivada, deprimida e, como ela mesma se define, “triste há vinte e quatro anos”. A tristeza era tanta que Libby não conseguia ter bons pensamentos. As boas lembranças da época em que vivia feliz com a família sempre a levavam para algum lugar escuro, algum momento daquela noite trágica.
Nunca posso alimentar esses pensamentos. Classifiquei essas lembranças como se fossem um lugar particularmente perigoso: um lugar escuro. Bastava alimentar por tempo demais uma imagem da minha mãe tentando dar um jeito na cafeteira quebrada ou de Michelle dançando em sua camisola de jérsei, e minha mente mergulhava em um lugar escuro. Manchas maníacas de um vermelho brilhante soam na noite. Aquele inevitável machado ritmado se movendo mecanicamente como se cortasse madeira. Disparos de espingarda em um pequeno corredor. Os gritos apavorados da minha mãe, ainda tentando salvar os filhos com metade da cabeça faltando.
Durante anos ela conseguiu viver com a ajuda de pessoas que se interessaram e se emocionaram com a tragédia da Família Day. Certa vez, Libby foi procurada para escrever um livro de autoajuda sobre superação. Assim conseguiu passar os dias em casa, reclusa, sem precisar trabalhar.
Ao descobrir que suas economias estavam no fim e as pessoas não estavam mais tão interessadas na sua família, Libby se sente pressionada a buscar novas formas de ganhar dinheiro. Até que encontra uma carta de Lyle Wirth, membro de um Kill Club. O clube era um lugar que reunia fãs de crimes famosos dispostos a pagar qualquer coisa para ter informações e objetos pessoais das vítimas e criminosos.
No popular, juntou a fome com a vontade de comer. Libby precisava ganhar dinheiro e aquelas pessoas pagariam qualquer valor por um simples cartão escrito por uma das suas irmãs mortas. Mas nem tudo seria tão fácil quanto ela imaginava. Membros do Kill Club acreditavam na inocência de Ben e queriam provar isso. Existia até um grupo chamado Free Day Society que tinha o objetivo de tirar Ben da prisão. Para continuar a sobreviver, sem ter de trabalhar, Libby vai precisar retornar para os seus lugares escuros.
A partir daí, encontramos uma narrativa densa, investigativa, dramática e macabra. Libby vai precisar trilhar os caminhos escuros da sua mente e dos acontecimentos que levaram ao fatídico dia 3 de janeiro. Até que ponto as suas lembranças são reais? Até onde Ben é culpado?
Gillian Flynn me envolveu com esse clima tenso e dramático. Me incomoda o fato de Libby se aproveitar da tragédia para tentar sobreviver. Chega até ser irônico. Por mais que tente fugir dos seus “lugares escuros” é por causa deles que ela se mantém no lugar que julga confortável. Mas a partir do momento em que ela precisa enfrentar os seus fantasmas, eu passei a torcer pela paz que ela precisava encontrar e nem sabia que precisava.
Como temos três vozes presentes durante todo o livro, Libby, Ben e Patty, não é apenas Libby que vai ser tomada por tantas incertezas, nós também criamos teorias, começamos a investigar e juntar as peças do quebra-cabeça. Em Lugares Escuros, Flynn mostra que todo mundo tem o seu dark place e cada um o enfrenta como julgar melhor.
>> O clima do interior dos Estados Unidos e o tom macabro marcado pela ideia do “sacrifício satânico da fazenda” me fez lembrar, um pouco, da primeira temporada da série policial criada por Nic Pizzolatto e exibida pelo canal HBO, True Detective. E isso só aumentou minha vontade de ver a adaptação de Lugares Escuros para o cinema lançada este ano.
Confira o vídeo que fiz sobre o livro:
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Como adorei ‘Garota Exemplar’, estava louca para ler esse também. Acabei gostando ainda mais, pois me pareceu mais real e possível de acontecer. A Libby é um personagem interessante, que desperta sentimentos diversos, e que, para mim, é uma falsa protagonista – ela só conduz a trama na qual o irmão e a mãe têm importância muito maior.
Você já viu o filme? Achei bem ruinzinho 🙁
bjo
Verdade! Esse é mais possível de acontecer. Agora quero ler Objetos Cortantes.
Ainda não vi o filme. Você encontrou na internet?
Beijos!