Lionel Shriver é escritora e colunista do jornal britânico The Guardian. Seus livros são publicados no Brasil pela editora Intrínseca, dentre eles “Precisamos falar sobre o Kevin” (2003), seu sétimo romance, vencedor do Prêmio Orange de 2005, considerado um best-seller mundial e adaptado para o cinema em 2011.
Em “Precisamos fala sobre o Kevin” lemos as cartas que Eva Khatchadourian escreveu para seu marido, Franklin, após o filho do casal, Kevin, assassinar sete colegas, uma professora e um funcionário no ginásio do colégio em que estudava em Nova York.
As cartas são cheias de lembranças do início da vida do casal, dos sonhos planejados, das dúvidas de uma mulher e empresária bem-sucedida sobre que rumo dar para sua vida: ser mãe, mulher, dona de uma empresa de guias de turismo ou ser tudo isso?
Mas se houve uma lição a ser tirada do meu décimo aniversário, foi a de que as expectativas são perigosas quando são ao mesmo tempo grandes e amorfas. – pag 101
Através das palavras sinceras e agridoces de Eva questionamos assuntos como carreira x família, criação de filhos em uma sociedade permissiva e consumista, o fracasso de casamentos nos dias atuais. E mais do que tudo isso, acompanhamos a busca de Eva por um porquê para o acontecido – seria ela a culpada? – e a morte não só das vítimas de Kevin, mas daquilo que seria considerado uma família perfeita, já que eles tinham casa, emprego, saúde, educação de qualidade e vida social.
(…) Além do mais, não me parecia prudente confidenciar que, até o momento, eu encontrara minha única “ajuda” ao escrever a você, Franklin. Porque de algum modo eu tenho certeza de que estas cartas não constam da lista das terapias prescritas, uma vez que você está no próprio cerne do que eu preciso “superar” para que possa ter meu “encerramento”. E que perspectiva mais terrível, essa. – pag 106
Lionel construiu um thriller psicológico perfeito. Não só deparamos com os mais profundos e intensos pensamentos de Eva, como a própria disseca para o leitor todos os personagens – e toda sua família – de uma forma bastante humana. Em uma página somos tomados pela empatia e ao passar de mais algumas podemos ser tomados pela apatia. Conhecemos, principalmente, um Kevin cínico, frio e manipulador. Um Franklin permissivo, protetor e alheio ao verdadeiro Kevin percebido e sentido por Eva.
Ele não é uma pessoa vingativa, mas um fabricante de ferramentas para maquinário eletrônico aposentado (é perfeito demais, o fato dele ter produzido máquinas que faziam máquinas) que leva as questões de responsabilidade corporativa e boas práticas de negócios muito a sério. Kevin apresentara defeito e eu era a fabricante. – pag 168 sobre o pai de Franklin
Foi essa fome de Kevin que seus professores – à exceção de Dana Rocco – nunca perceberam, preferindo diagnosticar a atuação medíocre do nosso filho como resultado de algo bem mais na moda: transtorno de deficit de atenção. Eles estavam decididos a encontrar alguma falha mecânica nele, porque máquinas com defeito podem ser consertadas. Era mais fácil atender às necessidades da incapacidade passiva do que enfrentar a questão bem mais espinhosa de um desinteresse feroz e zombeteiro. – pag 303
A ficção aqui tratada é, infelizmente, recorrente nos dias de hoje. Quantos casos temos encontrado nas mídias e nas esquinas parecidos com o de Kevin? A autora toca em algumas feridas atuais da sociedade como a violência nas escolas e a formação de jovens.
E nós temos tanto para falar sobre os Kevins, as Evas e os Franklins. E neste caso de “Precisamos falar sobre o Kevin” a conversa deve ser entre você, leitor, e Eva. Acredito que cada pessoa será tocada de forma diferente pela sinceridade de Eva e por esta obra inquietante e sensacional da Lionel.
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