Às vezes tomamos decisões consideradas erradas na vida que nos fazem querer voltar no tempo e ter a oportunidade de fazer tudo diferente. Reviver determinado dia bom para fazê-lo ainda melhor, ou algum dia ruim para torná-lo bom. É a tal segunda chance sonhada por tantos. Mas para voltar no tempo e fazer diferente seria preciso ter a consciência de que antes as coisas não saíram como o esperado. E o “voltar no tempo” seria algo consciente? E, outra, reviver a vida seria uma benção ou um fardo?
Jeff Winston, jornalista de rádio, 43 anos, é um revivente no livro do Ken Grimwood, lançando no Brasil pela editora Gutenberg em março de 2014. Vivendo um dos piores momentos da sua vida, casamento em crise, insatisfeito com a profissão, Jeff tem um infarto e volta aos seus 18 anos, em 1963, no seu quarto da época da faculdade. Ele voltou no tempo e estava consciente sobre isso. Tinha a oportunidade de viver uma nova vida, mas com a bagagem daquela vivida antes.
Jeff tinha lembranças não só dos seus dias, mas dos acontecimentos mais marcantes da humanidade para as próximas duas décadas. O ambiente era igual, as pessoas eram familiares, mas parecia que ele tinha a chance de fazer as coisas diferentes dessa vez.
Em certo sentido, tudo indicava que ele estava revivendo sua vida, como se estivesse revendo um vídeo; mas não parecia que estivesse limitado pelo que de fato acontecera antes, pelo menos não inteiramente. Até onde podia afirmar, ele havia retornado àquele ponto de sua vida repetindo as mesmas circunstâncias de outrora – matriculado na Emory, dividindo o quarto com Martin, cursando as mesmas matérias de um quarto de século atrás. Entretanto, nas vinte e quatro horas desde que tinha acordado ali outra vez, ele já tinha começado sutilmente a se desviar dos caminhos que percorrera originalmente. (p. 27)
A partir do seu primeiro replay – como o fenômeno é chamado no livro e é, também, título original em inglês – nós vamos acompanhar as escolhas de Jeff em fazer sua vida diferente e, como ele queria considerar, melhor. Como sabia de tudo que ia ocorrer nos próximos anos, ele tentou usar tudo a seu favor, principalmente formas de como ganhar dinheiro facilmente e ter uma vida mais cômoda e despreocupada em relação a última que viveu. Apostou em corridas de cavalos, investiu em ações e projetos, afinal sabendo o resultado, ficava fácil demais.
No início me incomodou o fato dele apenas querer levar uma vida boa, se aproveitando do que já conhecia daquele mundo, da vida, das pessoas que o rodeavam. Fiquei pensando: será que ele vai ser tão sacana assim? Apenas buscar ostentação e nada mais? Não vai nem procurar saber o motivo de ser um revivente? Juro, fiquei com raiva.
E como o processo se repetia sempre quando ele ia chegando aos 43 anos, o livro ficou um pouco cansativo para mim. Jeff vivia sempre de uma maneira muito boa, óbvio que nem tudo era igual, principalmente relacionado às mulheres. Em relação a vida amorosa, ele variou e aproveitou cada uma das mulheres que apareceram em sua “revidas”. Aliás, as escolhas que ele tomava em cada “revida” eram baseadas na companheira escolhida para aqueles próximos anos. Ele tinha novas oportunidades, mas ainda era muito influenciado pelo ambiente e pelas pessoas.
A primeira “revida” dele foi uma das mais interessantes para mim. Fiquei motivada para saber até onde ele iria usar seus conhecimentos para se dar bem e juro que fiquei esperando que alguma coisa fugisse do script já conhecido pelo protagonista.
Em certo ponto do livro, eu comecei a perceber que não era a única cansada daqueles replays, mas Jeff também. E isso é o mais interessante na narrativa de Ken, ele nos leva a se cansar de tudo, assim como o personagem principal, só para nos dar um motivo a mais. Para nós, leitores, um motivo para continuar a leitura e para Jeff, o motivo para suportar mais um replay.
Juro que estou em dúvida se coloco ou não aqui o motivo. Mas em nome do bom senso e só para lançar a curiosidade na vida de vocês, não vou contar. Só quero deixar claro, que valeu a pena se sentir cansada.
Ao invés disso, vou falar o que me motivou a ler “Revivente”. Eu busco na literatura explicações para vida. Ler para mim é um alento. Me desligo do mundo quando estou lendo, mas aí é que eu me ligo ainda mais. Por isso a frase que explica o meu gosto pela leitura é uma de Miguel Sanches Neto: “Leio para provar que o tempo é muito mais que o presente, leio porque não me bastam os prazeres de agora.”
Revivente me chamou atenção pela ideia de poder reviver a vida e, claro, fazer tudo diferente. Porque, como disse no início do texto, pelo menos uma vez nós já falamos “ se eu pudesse, faria tudo diferente”. Eu queria saber, mesmo que fosse na ficção, como seria a experiência de ser um revivente. A mágica da literatura é essa, experimentar outras vidas, enquanto vivemos a nossa.
E como todo livro que leio, eu tirei uma mensagem. Não adianta pensar no que poderia ter sido ou no que pode ser. O que vale é tentar viver o agora, afinal ainda é impossível ser um revivente.
Cada vida daquelas tinha sido diferente, assim como cada escolha sempre cria diferenças, com resultados ou efeitos imprevisíveis. E, ainda assim, essas escolhas precisam ser feitas, Jeff pensou. Ele tinha aprendido a aceitar as potenciais perdas, na esperança de que estas fossem sobrepujadas pelos eventuais ganhos. O único fracasso certo, pelo que ele sabia, e o mais grave, seria nunca tentar nada. (p. 314)
>> O livro tem um epílogo que indica uma continuação, mas o Ken Grimwood faleceu de ataque cardíaco em 2003, aos 59 anos, quando escrevia a segunda parte do livro. Algumas histórias circulam sobre a vida do autor e a relação com o livro. Ken tinha muitas semelhanças com o Jeff. Ambos trabalharam durante anos como jornalistas de rádio e a causa da morte do Ken era a causa dos replays do Jeff #tenso (isso também me fez querer ler o livro).
>> O livro inspirou o filme “O Feitiço do Tempo” com Bill Murray lançado em 1993.
>> De acordo com o site da Editora Gutenberg, os direitos do livro foram vendidos ao cinema, para a Warner, em 2011, e aguarda-se um filme para breve.