Só por hoje e para sempre – Diário do recomeço (Companhia das Letras, 2015) é o relato escrito por Renato Russo durante os vinte e nove dias que passou na clínica de reabilitação Vila Serena, no Rio de Janeiro, em 1993.
Muitas das músicas do Renato Russo são autobiográficas. Quando escutamos sabemos que estamos conhecendo um pouco do que foi esse grande artista, mas com esse diário a gente conhece seus medos, anseios, sua intimidade de forma mais clara. Renato expõe para o mundo alguns dos dias mais complicados e sofríveis da sua vida, quando tentava se livrar da dependência química, e consequentemente de deus fantasmas.
A luta conta o álcool e a heroína, suas drogas preferidas, era também uma luta contra alguns traços de sua personalidade. Renato era imediatista, racional, inseguro e se julgava especial demais para o mundo em que vivia. E isso tudo o levava ao uso de drogas, isolamento, solidão e relacionamentos destrutivos.
Posso estar completamente equivocado, mas sinto que minha dependência sempre foi provocada por esse sentimento de ser genial, inteligente e gentil e nunca ter retorno. Talvez meu problema tenha sido justamente me achar especial demais e, para enfrentar o tédio e a estupidez do mundo, utilizar-me das drogas p/ poder baixar o nível. (pag 31)
A edição traz imagens do plano de tratamento, os desenhos e rabiscos que Renato fez nas Folhas de Eventos Significativos enquanto esteve em recuperação. Percebi em cada linha a sinceridade e emoção de Renato. Ele queria se entender e se curar. Mas, muitas vezes, o próprio Renato se desacreditava, vestígios da sua personalidade insegura, e achava que estaria sabotando o tratamento ao escrever que estava se sentindo bem nas respostas das tarefas do plano de tratamento.
Essa sempre foi a maneira com a qual lidava com isso, ou então trabalhava compulsivamente, ou era compulsivo em tudo – exagerando a alegria, que virava euforia, exagerando a dor, que virava sofrimento, exagerando a solidão, que virava isolamento, exagerando o medo, que virava pânico, ou exagerando a desconfiança, que virava paranoia. A antipatia se transformava em ódio, o amor em obsessão, o sucesso em dificuldade, e por aí vai. O prejuízo? É como se tivesse jogado metade da minha vida fora, e para resolver isso, só voltando a querer viver, o que pretendo conseguir com este tratamento. (pag 74)
O tratamento era baseado nos 12 passos do programa dos Alcoólicos Anônimos, com isso encontramos um Renato tentando buscar um Poder Superior e acertar as contas com ele mesmo e algumas situações do passado e, consequentemente, com as pessoas que passaram por sua vida. São momentos em que Renato, por causa do uso de drogas, falhou não só com familiares, amigos, colegas profissionais, mas principalmente com ele mesmo.
A saúde estava muito debilitada. No diário Russo não comenta sobre a AIDS, mas a hepatite B é bastante citada pelo cantor, assim como sua compulsão sexual, as paixões, as amizades, os bastidores da Legião Urbana, o amor platônico por Dado Villa-Lobos, e talvez seu único verdadeiro amor “S”, rapaz que conheceu em São Francisco, nos Estados Unidos.
Ao tentar se reencontrar, Renato vai nos mostrando como é preciso ter em mente que “primeiro as primeiras coisas” e que é importante não transformar a vida em uma tragédia. Com calma e assertividade a gente chega aonde quiser.
? Tem vídeo-resenha sobre o livro no Canal do Blog no Youtube
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