O segredo, dizia Chang, o china da loja, não é descobrir o que as pessoas escondem, e sim entender o que elas mostram.
Marçal Aquino
Marçal Aquino, escritor, roteirista e jornalista, publicou o Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios em 2005 pela Companhia das Letras. O livro, que foi adaptado para o cinema em 2012, conta a história do fotógrafo Cauby e sua amada Lavínia.
A narrativa é envolvente e sincera. Parece que lemos sobre a vida de Cauby nas páginas de algum jornal. E se não bastasse tudo isso, Aquino cria o professor filósofo Schianberg que é citado inúmeras vezes, na tentativa de com essas citações explicar algumas loucuras da vida e consequentemente as loucuras dos humanos.
As citações que separei foi para matar a saudade de um dos melhores livros que já li na vida.
Queremos o que não podemos ter, diz o professor Schianberg, o mais obscuro dos filósofos do amor. É normal, saudável. O que diferencia uma pessoa de outra, ele acrescenta, é o quanto cada um quer o que não pode ter. Nossa ração de poeira das estrelas.
Colorida em meio ao cinzento que predominava ao redor. Olhei para o rosto no porta-retrato: tinha uma luz particular, só dela, e um ar de quem poderia ser o que quisesse na vida.
O trecho está grifado no livro. Nele, o professor Schianberg dá voz a Nietzsche — “Há sempre um pouco de loucura no amor, mas há sempre um pouco de razão na loucura” —, para depois contestá-lo, lembrando que na loucura dos amores contrariados não há espaço nenhum para a razão, apenas para mais loucura.
Retomo o livro e leio mais um trecho grifado: o professor Schianberg diz que a natureza do amor, de não nos permitir escolher por quem nos apaixonamos, é uma rota que pode conduzir à ruína. Entendo por que Schianberg escreveu isso. E dou razão a ele. Alguns amores levam à ruína. Eu soube disso desde a primeira vez em que Lavínia entrou na minha casa.
Em seu livro, o professor Schianberg escreveu: “A grande desgraça é que as lembranças não bastam para confortar os amantes. Nunca aplacam. Ao contrário: servem só para espicaçar as chagas daqueles que foram condenados à lepra do amor não correspondido”.
Valeu a pena ser invadido por uma onda de felicidade, ser tocado por uma tormenta.
Quem me contava isso era a Lavínia doida. A que eu, de brincadeira, chamava de Shirley. Aquela que a Lavínia mansa, a sério, xingava de vadia. Era bem mais do que dupla personalidade. Era uma doença. E não tinha cura. E eu adoeci daquela mulher. Contraí o vírus da sua insensatez.
(Nunca acreditei no diabo. Apenas em pessoas seduzidas pelo mal.)
Atire a primeira pedra aquele que não estremeceu ao recuperar, nos lençóis encardidos da cama em que dorme solitário, o cheiro da mulher ausente.
Suportamos a existência tentando converter o banal em épico.
A esperança é o pior dos venenos, seu Cauby. O senhor não concorda?
Conhecê-la fez do passado um mero ensaio, um treino antes de ser exposto à sua incandescência.
…Schianberg escreveu: o detalhe é a alma de toda fantasia. Qualquer detalhe, por mais inusitado ou pervertido que seja. Daí os fetiches. A particularidade do desejo. E um detalhe pode tornar-se muitas vezes mais excitante que a própria fantasia.
O careca não cansa de repetir que a esperança é o pior dos venenos? É. Porém muitas vezes é também o único remédio.
*As citações não estão com página porque li em ebook.
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