Marcelo Ferroni é escritor e editor da Alfaguara, selo de literatura da editora Objetiva. Em 2010, ganhou o prêmio São Paulo de Literatura como autor estreante, com o seu primeiro livro Metódo prático da guerrilha.
Das paredes, meu amor, os escravos nos contemplam, lançado em 2014 pela Companhia das Letras, é um romance policial do tipo “crime de quarto fechado” – quando algum personagem é morto dentro de um cômodo trancado por dentro.
Humberto, escritor frustrado, vive a procurar resenhas sobre o seu novo livro nos jornais. Entre os seus dias monótomos, ele conhece Júlia, uma garota rica, que resolve levá-lo para passar o final de semana com a família na casa de veraneio. A propriedade é do tempo dos senhores e seus escravos. Uma casa majestosa que está passando por restauração e o dono, Ricardo Damasceno (pai de Júlia), é obcecado pela residência e sua história. Assim como a casa é misteriosa, todos os membros da família também são e o final de semana acaba virando dias de crises, desconfiança e tensão que resultam em um crime.
A família de Júlia é grande e todos viram suspeitos. Ou seja, muitos personagens e vários motivações. Isso demanda mais concentração na leitura, principalmente porque Ferroni mistura as vozes narrativas, há momentos em que Humberto está narrando os acontecimentos, em outros há presença de um narrador-observador. E o autor ainda optou por não utilizar travessões ou aspas para sinalizar alguns diálogos.
O livro do Ferroni chama atenção pela capa, título e o crime de quarto fechado. Duas das principais características dos romances policiais estão presentes: reviravolta e mistério. A explicação do título, o crime em si e a resolução são interessantes, mas a narrativa se arrasta um pouco. O assassinato demora de acontecer e fica em segundo plano muitas vezes. Ou seja, se você for com sede de crime e do “quem matou?” vai ficar um pouco frustrado com a leitura. Já a casa é o personagem central do romance. Os seus mistérios, os seus segredos e seus fantasmas estão presentes do início ao fim.
O enredo de Das paredes, meu amor, os escravos nos contemplam, mesmo com todas essas observações, não é entediante. No meio de toda confusão você se depara com uma sessão de mesa branca e outras situações improváveis em um momento de tensão, que até fazem rir. O romance vale a pena pelo mistério, e todo fã de policial só dispensa um enigma depois de solucioná-lo.
Julia pôs a mão sobre os lábios; Mauro gritou:
– Mas por quê, meu Deus?
Muitio dineiro e siúmes do dineiro nao tras felissidadi para os homenes. So tristesa e muita tristesa que trais.
– Você podia dizer de novo pra gente o nome do criminoso, já que essa parte ficou um pouco confusa?
Círculos.
– Ele ainda está nessa casa?
Círculos.
– Entre nós?
Sim.
Uma porta distante bateu. Julia gritou. As velas se apagaram e desta vez a batida no forro foi como a de um corpo caindo. – pag. 175