Rubem Fonseca é um dos principais nomes da literatura brasileira contemporânea. Antes de se dedicar à literatura, Rubem foi policial e sua experiência na área estão presentes em suas obras.
Os livros de Fonseca trazem um texto cru e personagens marginais – prostitutas, assassinos, policiais. São narrativas densas que foram marcadas por tudo que o escritor viu e ouviu durante seus anos na polícia. O seu primeiro livro foi a coletânea de contos Os Prisioneiros publicada em 1963. Suas obras já o premiaram com o Jabuti e Camões, dois dos grandes prêmios literários de língua portuguesa.
Em 1979, Fonseca publicou o livro O Cobrador, uma reunião de dez contos com temáticas sobre crime e violência urbana no Rio de Janeiro da década de 1970. O conto que dá nome ao livro é o objeto de análise deste ensaio.
O Cobrador é um conto narrador em primeira pessoa por um homem que se autodenomina Cobrador. Não sabemos seu nome, mas conhecemos suas angústias e sua missão de vida. O narrador-personagem é um assassino em série. Não há um padrão em seus crimes, mas seu alvo são pessoas de classe social alta, os ricos. E sua motivação para matá-los é a dívida que a sociedade tem com ele, um homem pobre de dinheiro, família e dignidade. Como o próprio diz no texto estão devendo “comida, buceta, cobertor, sapato, casa, automóvel, relógio, dentes…”.
O texto de Rubem Fonseca tem características do que chamamos de literatura moderna ao permitir que o leitor compreenda, através de algumas pistas, elementos essenciais sobre a narrativa e a personagem. No caso do conto O Cobrador, temos poucas informações sobre nosso personagem, principalmente sobre o seu passado. Afinal o que teria feito aquele homem a travar essa luta pessoal contra os ricos da cidade? O que poderia ter feito ele se rebelar tanto a ponto de fazer justiça com as próprias mãos? Quer dizer, afinal, o que o Cobrador faz é justiça? São possíveis questionamentos levados por Rubem Fonseca no texto.
Sobre o passado do Cobrador, podemos perceber, através de algumas passagens da narrativa, que é bem provável que ele era o chamado “cidadão de bem”, um homem que paga suas contas e cumpre com suas obrigações conforme a lei. E o próprio personagem diz “não pago mais nada, cansei de pagar!, gritei para ele, agora eu só cobro!”. Ele havia cansado e agora ia cobrar o que o tiraram.
É necessário também olhar para o período em que o conto foi escrito. Em 1970, o Brasil passava pelo milagre econômico, na época do regime militar, e esse fato, conforme analisaram especialistas depois, aumentou o abismo entre ricos e pobres. Para o economista Flávio Tavares de Lyra, em reportagem ao Jornal Zero, o foco era a proteção à expansão do patrimônio das classes empresariais. E o milagre econômico foi um modelo elitista. Olhando para o espaço da narrativa, percebemos o motivo pelo qual os ricos eram os alvos do Cobrador.
Não é nada agradável acompanhar os relatos dos crimes cometidos pelo Cobrador. Rubem Fonseca não economiza em palavrões e em cenas de violência para mostrar ao leitor do que o Cobrador era capaz de fazer para levar adiante sua vingança pessoal.
Geralmente podemos ler casos semelhantes nas páginas dos jornais e tecemos julgamentos condenatórios ao autor dos crimes. Ter a possibilidade de ler e acompanhar a narração desses crimes, nos mostra o outro lado. O que não está nas páginas dos jornais. É a hora do “lugar de fala”. Ninguém está mediando um fato ou um discurso. O Cobrador fala sobre suas angústias e narra os seus crimes. A todo momento ele tenta explicar seus atos, reforçar o seu lugar de minoria e o motivo da sua cobrança à sociedade.
Muitas pessoas que vivem à margem da sociedade utilizam a violência para sobreviver. Mas no caso do nosso personagem a violência não é modo de sobrevivência. Ele a utiliza como resposta à desigualdade social, porém pautada em um discurso de ódio e egocentrista. Os crimes são cruéis, inspirados em cenas de filmes, e é uma jornada baseada no seu desespero e angústia e não no bem de todos seus semelhantes. Há também um sentimento de inveja na hora da escolha de suas vítimas. Como se, na verdade, ele quisesse ter tudo aquilo que aquelas pessoas representavam.
Esse sentimento de inveja e cobiça fica provado quando ele se apaixona por Ana, uma garota que representa tudo aquilo que ele cobra à sociedade. Em um momento parece que o Cobrador passa a ter algo que sempre desejou através da figura dela.
O conto O Cobrador permite que através da literatura uma minoria ocupe o seu lugar de fala e, assim, mostra pra sociedade o outro lado da moeda, aquilo que nem sempre estamos dispostos a ver.
- Foto de capa: Lázaro Ramos no filme “O Cobrador”, de Paul Leduc. A produção é baseada em quatro contos do Rubem Fonseca.
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Nossa Jennifer, fiquei BEM interessada em ler todos os contos do livro. Achei a temática bem pertinente para os dias de hoje. Um beijo! :*
Eu também quero ler o livro completo, Camila.
Rubem Fonseca entrou pra minha lista, com certeza.
bjão
Oi Jeniffer.
Gostei bastante da sua análise! Ela é bem contextualizada e achei interessante isso de vermos as coisas pelo ponto de vista do oprimido, o outro lado da moeda, apesar de imaginar o quanto deve ser incômodo ler as descrições do crime.
Não sabia que antes de se tornar escritor o Rubem Fonseca foi policial. Isso explica algumas coisas da obra dele.
Beijos.
Oi, Maria! Bom te ver por aqui. 🙂
Eu também não sabia que o Rubem era policial. Isso explica muita coisa mesmo.
bjão
Olá Jeniffer!
Sou Viviane. Gostei muito de sua análise sobre o conto. Sou aluna do curso de Letras/literatura e sua análise me ajudou na compreensão de vários detalhes sobre a personalidade do personagem narrador e seu contexto social.
Bjs
Que bom, Viviane!
Bons estudos!