“Se for menino não vai usar rosa não”

O ano era 2017. E a frase que ouvi de um futuro pai foi “se for menino não vai usar rosa não”.

A gente até perdoa quando olha pro contexto social e familiar da pessoa e lembra que vivemos em um país muito machista. Mas ao mesmo tempo eu fico pensando: até quando vamos achar que usar determinada cor vai influenciar na orientação sexual de alguém? Até quando vamos dizer que rosa é coisa de menina e azul é coisa de menino?

Às vezes me parece que a discussão feminista é feita apenas numa bolha. Na verdade, eu tenho quase certeza de que vivemos todos numa bolha. E são várias bolhas. É seguro ficar ali entre os que pensam e agem iguais a nós. Até porque quando resolvemos sair dela, haja saúde mental para aturar. E viver numa bolha, não é viver na superfície? A gente nunca sai de onde podemos ver tudo que é nosso semelhante.

E é preciso sair da superfície. É preciso sair da bolha, das notícias espalhadas nas redes sociais e das correntes do Whatsapp. É preciso buscar informações, contextualizar, sair do básico, questionar. Por que menino não pode usar rosa? Quem disse isso? Em que ano? Já reparou como moldamos nossas crianças desde cedo e como deixamos de nos questionar porque ficamos presos às tradições? A gente não sabe o motivo, mas sabe que rosa é coisa de menina.

No livro Para educar crianças feministas, a autora Chimamanda Ngozi Adichie dá uma dica valiosa para sua amiga IJeawele: questione a linguagem – “A linguagem é o repositório de nossos preconceitos, de nossas crenças, de nossos pressupostos”. Já parou para pensar que mesmo chamando uma menina de princesa não estamos necessariamente colocando-a em um cargo de poder, como fazemos ao chamar os meninos de príncipes?

Uma amiga minha diz que nunca chamará a filha de “Princesa”. Quando as pessoas dizem isso, a intenção é boa, mas “princesa” vem carregado de pressupostos sobre sua fragilidade, sobre o príncipe que virá salvá-la etc. Essa amiga prefere “anjo” e “estrela”. -Chimamanda Ngozi Adichie

O documentário A máscara em que você vive (2015) nos faz refletir sobre como estamos criando nossos meninos. E dois temas que a produção chama atenção: hiper-feminização – tudo para as meninas precisa ser rosa, delicado e até, em alguns casos, sensuais –, e a hiper-masculinização – programas e brinquedos violentos, os arquétipos de homens do entretenimento (calados, sérios, fechados) e os exemplos que são passados de masculinidade (polícia, forças armadas, esportes e os grandes astros do cinema, tv e música). É o caso do “se for menino não vai usar rosa não”. Não vai usar rosa porque isso diminuirá a masculinidade do garoto? É o caso também da tentativa de moldar a criança e pior com pensamentos limitantes e machistas.

Chimamanda também deu um conselho que vai contra a hiper-feminização e a hiper-masculinização:

Ensinamos as meninas a serem agradáveis, boazinhas, fingidas. E não ensinamos a mesma coisa aos meninos. É perigoso. Muitos predadores sexuais se aproveitam disso. Muitas meninas ficam quietas quando são abusadas, porque querem ser boazinhas. Muitas meninas passam tempo demais tentando ser “boazinhas” com pessoas que lhes fazem mal. Muitas meninas pensam nos “sentimentos” de seus agressores. Esta é a consequência catastrófica de querer agradar. Temos um mundo cheio de mulheres que não conseguem respirar livremente porque estão condicionadas demais a assumir formas que agradem aos outros.

Ao invés de ensinar a ser “como uma menina” e “ser como um menino”, a preocupação maior deveria ser em “como ser humano”, no sentido de respeitar o outro, ser honesto, e ser o melhor que se pode ser. Um ser completo, que pode vivenciar toda e qualquer experiência sem qualquer tipo de censura.

Para ler: Para educar crianças feministas – Um Manifesto

Após o enorme sucesso de Sejamos todos feministas, Chimamanda Ngozi Adichie retoma o tema da igualdade de gêneros neste manifesto com quinze sugestões de como criar filhos dentro de uma perspectiva feminista. Escrito no formato de uma carta da autora a uma amiga que acaba de se tornar mãe de uma menina, Para educar crianças feministas traz conselhos simples e precisos de como oferecer uma formação igualitária a todas as crianças, o que se inicia pela justa distribuição de tarefas entre pais e mães. E é por isso que este breve manifesto pode ser lido igualmente por homens e mulheres, pais de meninas e meninos. Partindo de sua experiência pessoal para mostrar o longo caminho que ainda temos a percorrer, Adichie oferece uma leitura essencial para quem deseja preparar seus filhos para o mundo contemporâneo e contribuir para uma sociedade mais justa. (Sinopse da Amazon) | Adquira o livro na Amazon

Para ver: Documentário The Mask You Live In (A máscara em que você vive)

Produzido pelo The Representation Project, movimento que tem como missão utilizar documentários e outras mídias para expor injustiças criadas por esteriótipos de gênero e assim conscientizar pessoas e prepará-las para mudanças, The Mask You Live In foi lançado em 2015 e traz depoimentos de meninos e homens, e entrevistas com sociólogos, psicólogos, educadores e psiquiatras, para debater sobre a cultura machista que existe na sociedade dos EUA.

Estamos vivendo um momento de explosão do movimento feminista mas não podemos falar em ser feminista, sem falar do machismo. Afinal, muito do que defendemos e lutamos no feminismo existe por causa da cultura machista. Uma das perguntas do documentário é: o que estamos ensinando aos nossos garotos sobre ser mulher? | Confira minha opinião completa

Espalhe por aí:

Deixe um comentário:

7 comentários em ““Se for menino não vai usar rosa não”

  1. Adorei as indicações! Esses dias comprei um body azul turquesa p o enxoval da minha baby e minha irmã de oito anos perguntou se menina podia isar aquela cor, eu disse q podia usar a cor que quiser! Pleno 2017…

    • Azul turquesa é tão lindo, né?!
      Pois é, Lua. Bom saber que sua baby e irmã tem você para dizer que elas podem usar o que quiser. <3
      bjão

  2. Perfeito seu texto Jennifer! Obrigada pela dica de leitura e documentário.

    Confesso que sinto um imenso desespero ao pensar na cultura do machismo em nosso país e no mundo. Tenho um menino de quase 3 anos e tento criá-lo da mesma forma como criaria uma menina. Não há distinção das cores que ele usa, sabe apenas que cor de criança é colorido, ou aquela que ele escolher. Apenas lamento, pois quando vamos comprar roupas e brinquedos para nossos filhos essa distinção é gritante. Final de semana mesmo, olhei com tristeza para as três sungas que ele têm, pois são azuis… e azul é a última cor que eu escolho, ou seja, não tinha outras cores. Recentemente fomos comprar uma cama para ele, eu queria alguma que se remetesse a infância, uma cama mais divertida, mas as únicas opções eram camas de princesas ou de carrinhos, super heróis… óbvio que não comprei.
    Ele não sabe que o que é brinquedos “de menino e de menina”. Tem cozinha, panelinhas, bonecas, bola, carrinhos, super heróis e heroínas… aliás, a preferida dele é a mulher maravilha! E eu fico muito feliz com isso… me perguntou se ele poderia ser ela, falei que ele pode ser o que quiser!
    Estou criando um menino afeminado? Podem dar o nome que quiserem. Estou apenas tentando criar um ser humano com o mínimo de sensibilidade, de empatia com o outro. Estou tentando passar para o meu filho que homens e mulheres são iguais e podem ser o que quiserem, que são fortes e frágeis também. Que se ele tiver vontade pode chorar, pois isso não o faz menos que os outros. Estou ensinando a ele que qualquer ser humano deve saber limpar sua própria casa, lavar suas roupas e fazer sua comida. E que se optar em ter filhos, terá que cuidar dele, assim como o pai dele faz.
    Pode parecer pouco, mas acredito que estou plantando uma sementinha ali… ele não vai crescer se sentindo o machão e achar que as mulheres devem servi-lo.

    Beijão e parabéns pelo blog!

    Juliana

    • Juliana, precisamos de mais pessoas como você! Parabéns pela atitude! E obrigada por compartilhar sua experiência aqui no blog.
      O que você está fazendo não é pouco, é muito! E boto fé que essa sementinha dará bons frutos.
      bjão <3

  3. Pingback: Os convites de Chimamanda Ngozi Adichie - Jeniffer Geraldine | Blog