Quarta-feira de cinzas

Nos conhecemos num domingo. Os bloquinhos passavam. As pessoas esbarravam. A rua estava movimentada. Não tinha como voltar sem tropeçar em alguém. Não tinha como ir sem enfrentar de frente as pessoas que vinham atrás da marchinha. E ali parado, esperando aquele tsunami de confetes e alegria passar, a gente se esbarrou. Esbarrou mesmo. Ele estava conversando com uma amiga. Eu estava de costas. Nós viramos ao mesmo tempo e como num filme, cara a cara, quase um beijo roubado acidentalmente pelo acaso.

Naquele curto espaço físico fomos obrigados a conviver com o encontro. Surgiram desculpas pelo esbarrão, sorrisos sem graça. E daquele choque entre nossos corpos algo soltou faísca. Do esbarrão para o beijo não durou muito mais que 30 segundos. Tudo aconteceu rápido, voraz e sedento.

Naqueles olhos azuis não tive dúvidas que queria mergulhar. Não queria perder tempo. Não queria nem conversar. Nos beijamos antes da troca convencional de nomes. E naquele abraço, naquele beijo desconhecido… O bloquinho foi passando, as pessoas foram seguindo a folia… E como teríamos que nos desgrudar em algum momento do percurso, alguns minutos depois em que nossas línguas ensaiaram um frevo, trocamos nossos nomes, falamos um pouco, partimos um para cada lado. Ele beijou outras pessoas no meio do caminho, eu beijei outras tantas também… E enquanto nos desprendíamos e nos perdíamos em outros braços, nos olhávamos.

Era algo meio canibal. Enquanto ficávamos com outros, sabíamos que queríamos um ao outro. E ali, em meio a tantas bocas, caminhei em sua direção, ele na minha e sem um esbarrão dessa vez, escolhemos nos encontrar. Nos beijamos e beijamos, beijamos, beijamos… Ele disse para os que surgiam que eu era o namorado dele. Achei fofo, mas não levei a sério. Ele sorria e não queria me largar. Eu por minha vez me perdia naquele azul piscina que me olhava com vontade de quero mais…

A noite foi chegando, a rua foi esvaziando, as pessoas começaram a partir… Era chegada a hora. Nos despedimos. Nos beijamos pela última vez e aquele ‘tchau namorado!’ ficou ecoando entre o paralelepípedo e as casas quase vazias…

Assim que o vi se perder na multidão não lembrava mais do seu nome. E talvez aquilo fosse bom, quem se apega no segundo dia de carnaval? Talvez eu. Tá eu sei, sou desses… Mas nesse carnaval não seria assim. Nada de apegos. Era um carnaval para curtir com os amigos e não casar. Tinha uma foto da gente para recordar, estava ótimo. Pelo menos assim eu me enganava…

Depois desse dia não nos encontramos mais. Sei que queria encontrá-lo outra vez. Não sei se ele sentia o mesmo, mas isso não importava. Segui o ritmo do carnaval, subi e desci ladeiras, encontrei e me esbarrei em outras bocas. Conheci outros braços e dancei outros passos com íntimos desconhecidos.

Na terça-feira, quase no final do dia, em meio a um temporal. Fantasia pela metade, procurando um abrigo para fugir da chuva… Olha ele ali sorrindo ao me ver e gritando: “Namorado você me abandonou!”. Não precisou muito para corrermos ao encontro e nos beijarmos novamente, dessa vez na chuva e dessa vez com uma certa pressa de que o carnaval estava acabando e precisava de mais um pouco de você.

E ali, quase como na primeira vez que nos encontramos, em meio as pessoas que passavam pela gente, em meio à chuva que caia… Nos esbarramos mais uma vez e nos beijamos como se aquilo ali não fosse ter uma quarta-feira de cinzas no dia seguinte.

 

 M.P., 18 de fevereiro de 2015, uma quarta-feira de cinzas diferente de todas as outras

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