Maria Christina Monteiro de Castro é jornalista, mineira, e publicou “Por enquanto agora”, seu primeiro livro, pela editora Apicuri, em 2012, aos setenta anos. Sabe quando você senta para conversar com algum parente mais velho e ele começa a te contar os momentos vividos na juventude? O papo é sempre interessante. A gente conhece através das lembranças deles uma sociedade diferente da atual, outros costumes, outras glórias e alegrias. Foi exatamente essa a sensação que tive ao ler “Por enquanto agora”.
Celina, menina curiosa, futura amante da língua portuguesa, gostava de escrever e de histórias de gente, por gostar de histórias de gente de verdade, ela vai nos contar a história da sua vida. Mas ninguém vive nesse mundo sozinho, a história da nossa vida é entrelaçada com a de quem conviveu conosco. E o destino quis que a vida de Celina fosse entrelaçada à vida de mais três mulheres, três irmãs, tão diferentes.
Tudo isso pode ser fato, invenção de tia, vizinha, mãe ou babá, ou mistura de fantasia, escuro, medo e desejo, porque todo mundo tinha muitos filhos naquele tempo e até lá pelos meus seis anos, antes de dormir de touca e pijama de flanela e enrolada num cobertor felpudo, coisa que eu gostava mais era ouvir histórias de nascimentos, chegadas e partidas, nas noites glaciais do inverno mineiro. Como se o que guardei, o que chamam memória, não fosse, ela também, ficção. Como se o que guardei, o que chamam história, não fosse, ela também, invenção. E deve ter muita fala e coisa que não é minha aí misturadas, porque eu vivia perguntando, perguntando e preferia casos de gente a fadas, madrastas e bruxos, aquelas bobagens de pozinhos mágicos, assombrações e aparições. (pag. 16)
A história se passa em Belo Horizonte, no meio do século XX, onde família de verdade era aquela grande, tradicional, católica. Celina se via no meio de tanta gente e queria descobrir a si mesma e ao mundo. Mãe católica, pai político e três irmãs: Isabel, Flávia e Sofia.
A futura apaixonada pela língua portuguesa recebeu ali a primeira lição de sinônimos: Beleza é igual a Sofia, Interessante é igual a Isabel – verbetes fechados no dicionário família – e passava os dias rondando os pais, se agarrava às suas pernas, roía as unhas, se desesperava: “Ei, senhores, descubram-me, quero a minha cota de maravilhamento!” Durante algum tempo ficou assim inerte, ansiosa e desventurada, à espera que a revelassem, a refletissem ou lhe apontassem seu caminho único. Marcar território tornava-se crucial, porque o núcleo ganhava novo contorno com a chegada da quarta mulher… (pag 37)
Dividido em vinte e sete mini capítulos, marcados por fotos de céus, com algumas lembranças retiradas dos cadernos de Celina (a narradora), vamos acompanhar o crescimento dessas quatro irmãs, desde Minas Gerais ao Rio de Janeiro – e outros lugares mais que o destino as levou -, a juventude, os sonhos, as escolhas e como a vida de uma influenciava na da outra.
No momento em que junto estas notas, releio estas páginas, me pergunto: eu era assim? Pensava, via o mundo assim? O que leio é verdade, foi verdade? Vasculho e tento recordar, comparar ao que guardo de mim, ao que guardo em mim. Inutilmente. Cada vez que quero agarrar a lembrança, olho e é diferente. Não consigo colar a menina à mulher, nem sempre me reconheço. E, no entanto, as palavras estão lá, escritas por mim. Marcam um eu que fui e não sou, um tempo que foi e não é. (p. 92)
As quatro irmãs que buscavam, cada uma a sua maneira, a atenção do pai, encontraram, também, formas individuais de afrouxar o laço familiar, uma pela música, outra pela militância, uma pela religião e outra pela vontade de viver sempre algo mais.
A leitura é prazerosa, o livro é cheio de referências bíblicas, literárias e musicais, mistura de ficção e realidade. Mostra que há beleza e mistério na vida de qualquer pessoa, reforça aquela ideia de que todo mundo tem uma boa história para contar e Celina/Maria Christina nos passa uma mensagem bonita sobre resistência, coragem, família e a importância do agora.
Vou levando; vivo como os Alcoólicos Anônimos, é cada dia, as próximas 24 horas. “Portanto, não andeis ansiosos pelo dia de amanhã, pois o amanhã se preocupará consigo mesmo. Basta cada dia o seu próprio mal”, está em Mateus, Modéstia à parte, esta é a força de Celina: “A cada dia seu próprio bem.” (pag. 193)