Podcast e livro brasileiros | #JGindica

O podcast “Proibido fritar pastel”, produzido pela escritora e filósofa Liliane Prata em parceria com o escritor Gael Rodrigues, é um dos podcasts mais maravilhosos para mim porque mistura compartilhamento de experiências pessoais, literatura, filosofia e sotaques. 

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Uma conversa divertida e reflexiva entre Lili e Gael que é para quem escuta um conteúdo afetuoso, sincero, que nos faz pensar sobre a nossa vida, querer melhorar a nossa forma de vivê-la, buscando algo que esteja mais de acordo com quem realmente somos e mais leves com o mundo a nossa volta. 

Três episódios que me marcaram muito foram o “O prazer do nada”, “Queremos sempre mais?” e o “Como ser INTEIRO”. Só por esses títulos já dá para sentir mais um pouco a proposta do podcast. Eu anotei, inclusive, uma definição de “autoestima”, compartilhada no episódio “Queremos sempre mais?”:  “autoestima é aquele estado em que você não está em guerra consigo mesmo e com ninguém.” 

E nesse mesmo episódio, eles trazem uma definição de “excentricidade” como algo fora do nosso centro, do nosso eu. Aquela situação em que nos deixamos levar pelas influências externas. Essas influências que nos afastam de que somos e muitas vezes afetam nossa autoestima, o nosso amor por nós mesmos. 

Lembrei muito da crônica “Individualizar desejos”, que escrevi falando de como é importante a gente saber separar o que é da gente e o que é do outro para preservar quem realmente somos, os nossos verdadeiros sonhos, objetivos, desejos.

No episódio “Como ser INTEIRO”, Gael estava tomando um chá numa xícara rachada. E ele comenta isso para nos dizer que mesmo a xícara rachada, ela continua inteira, servindo a um propósito. Ela tem suas marcas, suas cicatrizes, mas segue ali inteira à sua maneira.

Eu ouvi essa analogia e lembrei do romance “O frágil toque dos mutilados”, do Alex Sens.

Falar de uma leitura para mim não é fazer uma análise da forma, da escrita. Falar de livros e leitura para mim é, principalmente, falar de sentimentos e de significados. À medida que vou lendo e vou me conectando à história, a narrativa me leva não só para a vida dos personagens mas me faz pensar sobre a minha vida e a vida no geral.

Leitura para mim tem esse diálogo com o outro e com a gente mesmo.

Lendo algo, eu tomo uma distância de problemas, observo de longe, e é esse processo me faz refletir sobre várias coisas. A conexão ou distanciamento acontecem sempre com leituras que considero mais intimistas, filosóficas e reflexivas, que é o caso de “O frágil toque dos mutilados”, o romance de estreia de Alex Sens, vencedor do “Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura 2012” na categoria “Jovem Escritor”

O livro é uma drama familiar escrito com uma prosa poética que nos envolve do início ao fim. E ainda se passa no litoral. Perto do mar, perto da natureza, tudo fica mais íntimo, misterioso e reflexivo.

Eu amo dramas familiares porque viver em família é uma experiência da qual muitas vezes não podemos fugir. E é no núcleo familiar que a gente começa a se constituir como sujeito, é nele que temos nossos primeiros sentimentos de acolhimento e nossos primeiros conflitos. 

Magnólia é a nossa protagonista, uma enóloga, que tem atitudes questionáveis. Uma mulher temperamental, que me fez rir, me fez ter compaixão, me irritou em vários momentos, me fez acolher e me distanciar também em tantos outros momentos. Mas eu não quero falar de Magnólia apenas. Até porque falar de Magnólia é falar de sua relações e as marcas que cada uma delas deixaram na sua vida. 

Dois temas me acompanharam durante toda a leitura: a memória e a ideia de que somos aquilo que fazemos.

Nossa memória tem a capacidade de reter tudo que acontece à nossa volta. É também o desejo que temos de permanecer vivo em alguém ou no mundo. Um bom lugar para voltar e ter boas sensações, ou até enfrentar medos e seguir em frente de uma nova maneira. Mas também, como disse Orlando para Magnólia, pode ser nossa grande inimiga. Pois é na memória que está muito do que queremos fugir e muito do que sentimos saudade.

Memória é um tema que gosto muito. E fui lendo esse livro e pensando mais ainda sobre ele. O cheiro que lembra alguém, a praia que traz lembranças da infância, o pão na chapa com suco de laranja que me lembra uma das minhas cidades favoritas. Tem um perfume que até hoje me faz lembrar de um enterro que fui quando era adolescente. A nossa memória é amiga e inimiga

A outra ideia que me acompanhou durante todo o livro foi “somos aquilo que fazemos”, que pode ser também um questionamento “somos aquilo que fazemos?”. Nossas ações marcam mais que palavras. Uma visão até bem existencialista. O que determina quem somos são as ações realizadas, não aquilo que poderíamos ser. E somos responsáveis por essas ações. Não importa o nosso estado atual, a nossa condição quando tomamos ou não determinada ação, o mundo sempre vai nos julgar pelo que foi feito. 

Nós valorizamos em excesso a ação. A intenção, o sentimento, a emoção, nem sempre possuem lugar de destaque no mundo, ainda mais nesse mundo moderno, que precisamos de testes e comprovações. 

Podemos até não ser apenas aquilo que fazemos, mas o que fazemos é o que marca no mundo e nas pessoas. 

“O Frágil Toque dos Mutilados” – esse título que por si só diz muito – reverberou essas duas ideias por aqui, mas tem muito mais a se pensar sobre relações humanas, transtornos mentais, luto, escolhas de vida. Um livro que fica na gente por um bom tempo depois da leitura. Deixa saudade do clima e dos personagens. E isso é o que acredito ser uma boa literatura.

Considere ouvir o podcast “Proibido Fritar Pastel” e ler o romance “O frágil toque dos mutilados”, que por sinal ganhou uma continuação em 2019, “A silenciosa inclinação das águas” (por favor, alguém dê o prêmio de melhores títulos para o Alex). 

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