O Oceano no fim do caminho – Neil Gaiman

É fato todo mundo tem seus monstros de infância. Às vezes são ilusões, sombras ou um adulto. Eu lembro que o meu era uma sombra e um sapo-boi. No quintal da minha Vó, as sombras das roupas no varal formavam na parede o rosto de um homem narigudo. Eu juro! Era tenso e eu morria de medo. E um dia, no muro do quintal, apareceu um sapo enorme e disseram que era um sapo-boi, daqueles que correm atrás da gente. Tenso! Esses eram meus monstros, me mantinham longe do quintal nas horas impróprias e me faziam ir para cama cedo. Até hoje odeio sapo e tenho pavor de sombras.

Essas lembranças da infância voltaram por conta da leitura de “O oceano no fim do caminho” do Neil Gaiman (Intrínseca, 2013). Muito do que vivemos quando criança é esquecido, mas se surgir algo ou alguém daquele tempo, as lembranças vão voltando e o que parecia esquecido, enche o coração e os pensamentos de saudosismo.

É bem assim que começa o livro. Um homem, não sabemos o seu nome, apenas que é de meia-idade, precisa voltar para cidade que morava quando criança para um velório. Lá, encontra lembranças de acontecimentos esquecidos e muitas delas ele não sabia ao certo se era real ou imaginação. As lembranças o levam de volta para uma fazenda que tinha um lago no fundo do quintal. Era a fazenda onde há anos atrás ele conheceu uma menina chamada Lettie Hempstock e para ela, o lago era um oceano.

As memórias de infância às vezes são encobertas e obscurecidas pelo que vem depois, como brinquedos antigos esquecidos no fundo do armário abarrotado de um adulto, mas nunca se perdem por completo. Parei na saleta da entrada da casa e falei.

– Olá? Tem alguém aí? – pag 14

O personagem principal sem nome, que pode ser eu, você ou até o Gaiman – como muitos acreditam ser -, era um garoto solitário que confiava mais nos livros do que nas pessoas. Certa vez ele precisou sair do seu quarto para que os pais pudessem alugar o cômodo e obter alguma grana extra. Dentre os vários inquilinos, um acaba se suicidando próximo à Fazenda Hempstock e foi assim que o menino conheceu as mulheres Hempstock, Lettie, a avó e a mãe. Entre as duas crianças nasceu uma amizade repleta de mistério e imaginação a beira de um lago-oceano.

Desde pequeno eu sempre pegava várias ideias emprestadas dos livros. Eles me ensinaram quase tudo o que eu sabia sobre o que as pessoas faziam, sobre como me comportar. Eram meus professores e meus conselheiros. – pag 92

Após o suicídio do inquilino, surge uma nova moradora, uma sujeita simpática demais para o gosto do garoto, Ursula Monkton. Ela acaba conquistando toda a família menos o menino, e sua intuição estava certa. Ela não era quem realmente dizia ser e até Lettie sabia disso.

– Ninguém realmente se parece por fora com o que de fato é por dentro. Nem você. Nem eu. As pessoas são muito mais complicadas que isso. É assim com todo mundo. – pag 129

“Oceano…” é o tipo de livro em que é necessário acreditar que o mundo ao redor é muito além daquilo que se vê. A fábula contada por Gaiman é magnífica ao ponto de ter me feito sonhar com Lettie e seu amigo. Sonhei que de alguma forma era parte daquela aventura e podia sentir os medos e questionamentos dos dois personagens. Me peguei relembrando as aventuras da infância, as tantas coisas que acreditava existir e que tornava a vida mais mágica e interessante.

Adultos seguem caminhos. Crianças exploram. Os adultos ficam satisfeitos por seguir o mesmo trajeto, centenas de vezes, ou milhares; talvez nunca lhes ocorra pisar fora desses caminhos, rastejar por baixo das rododendros, encontrar os vãos entre as cercas. – pag 70

Ao ler esse livro, me deixei explorar novos e velhos caminhos. Faça o mesmo, segure nas mãos dos garotos e embarque nessa fábula maravilhosa. E uma dica, é bom não soltar as mãos de jeito nenhum.

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