O encontro com a artista

No livro O caminho do artista, Julia Cameron, propõe como uma ferramenta para recuperação criativa o encontro com o artista.

Cameron diz que o encontro com o artista é “um tempo – talvez duas horas por semana – reservado especialmente para alimentar sua consciência criativa, seu artista interior.” É o momento para alimentar nosso poço interior, o reservatório artístico, nos nutrir de coisas que nos intrigam, inspiram, que nos levam a explorar a nós mesmos e a vida.

Pode ser um passeio na beira do mar, a contemplação do pôr do sol, conhecer um lugar novo, ler livro, assistir produções culturais, ouvir música, visitar uma exposição. A escolha do que fazer no encontro com o artista vai muito do que você gosta de fazer para se sentir motivado e inspirado. Um detalhe importante é que esse momento é para ser feito sozinho. Lá você vai encontrar com o seu artista interior.

A proposta da Cameron bateu forte aqui porque ela chegou em um momento em que eu estava sem muitas inspirações até mesmo para fazer o meu trabalho. Como trabalho com comunicação, educação e cultura, tudo o que eu consumia e gostava de consumir já tinha uma finalidade. Não era apenas um encontro casual para me nutrir artisticamente. Tudo era útil. Mas como diz o grande Ailton Krenak, “A vida é fruição, é uma dança, só que é uma dança cósmica, e a gente quer reduzi-la a uma coreografia ridícula e utilitária.”

Pensar criativamente é tentar sair do habitual. Muitas vezes a grande sacada vem do lugar mais improvável. Respirar outros ares ajuda a desacelerar a mente e quando isso acontece, descansamos e nos abrimos para novas conexões.

Havia um tempo que estava com uma ideia de tentar fazer colagens manuais. Na minha cabeça tudo acontecia perfeitamente lindo, mas só na minha cabeça. Por algum motivo eu não parava para executar a ideia. Sempre adiava porque não via uma utilidade em simplesmente parar e criar uma colagem. Foi então que lembrei da Cameron e do encontro com o artista.

Resolvi pegar umas revistas antigas, umas tintas, pincéis, umas caixas de papelão, coloquei as músicas preferidas para tocar e me sentei para ter esse momento. Foi ótimo. Achei terapêutico. Não pensei em nada demais. Não busquei a utilidade da ação. Apenas fiz, aproveitei o momento, cantarolei as músicas. Relaxei. Me encontrei com uma Jeniffer lá da adolescência que fazia colagem para capa do caderno da escola e criava montagens com as fotos tiradas com uma TekPix. Me encontrei com essa artista interior que não tinha pretensão de grandeza ou perfeição, mas apenas de criar enquanto as músicas preferidas tocavam.

A partir dessa experiência resolvi que me daria essa chance e incluiria na minha rotina o encontro com a artista. Pensei de que modo poderia fazer isso. Logo surgiu a colagem. Posso tentar voltar a fazer colagem, manual ou digital. Posso volta a experimentar com a fotografia. Parando para pensar em cenários, composições. Nossa, fazia tempo que tinha feito algo assim. E também me questionei: o que estou deixando de conhecer/ experimentar/ rever/ fazer por achar que não é útil? De que maneira posso alimentar meu reservatório artístico? Lembrei de mais algumas coisas: ler ficção, conhecer histórias de vida, assistir documentários, ver filmes antigos.

Existe um conceito que muita gente tem falado nos últimos tempos, o Lifelong Learning, formação contínua, a ideia de se manter aberta ao conhecimento durante toda vida, sempre buscando aprender e renovar aprendizados. Acho esse conceito bastante criativo. Mas eu pensei também em adaptar para Lifelong creativity, criatividade ao longo da vida, colocando em prática o encontro com a artista.

De tempos em tempos, o encontro com a artista deve mudar de forma. Estamos em uma pandemia, não dá para viajar (que é uma forma excelente de levar o artista interior para passear), nem visitar exposições, museus e fazer saídas fotográficas. Mas criei alguns projetos pessoais para me ajudar atualmente com esse objetivo maior que é me nutrir artisticamente ao longo da vida.

Leitura noturna | Ficção

Tenho uma biblioteca pessoal recheada de histórias, de viagens, de possibilidades, de encontros, me esperando. E literatura para mim é uma das mais belas formas de arte e de encontro com si mesma e com o outro.

Quarta do Doc

Quarta é dia de ver documentário. Eu sempre me sinto mais inteligente depois que vejo um documentário. Sem falar que é uma das formas de conhecer outros modos de vida.

Sessão das antigas

Tem vários filmes antigos que nunca vi e gostaria de ver mas sempre ficava adiando pelo último lançamento (de filme e de série) porque é o que todo mundo está comentando. Agora reservo um tempinho na semana para curtir um filme das antigas.

Histórias de vida

Eu sou apaixonada por histórias de vida (autobiografia, biografia, diários, cartas). Acredito bastante no aprendizado que vem do exercício de ouvir o outro por meio de conversas diárias e da escuta atenta de histórias de vida. Ler biografias ou autobiografias geralmente são leituras que demandam tempo, mas se organizar direitinho e não tiver pressa, dá para ler aos poucos e conhecer a história de quem admiro ou tenho curiosidade. E eu também posso recorrer ao documentário ou cinebiografia.

Não é um cronograma, não é algo fixo, segue a proposta de fruição da vida lembrando sempre de me nutrir com o que me faz bem e me alimenta criativamente.


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A vida não é útil

O caminho do artista

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2 comentários em “O encontro com a artista

  1. Olá Jeniffer! Gostei muito dessa ideia. Eu sinto que a vida, desde antes da pandemia, estava sem um doce, sem algo despretensioso. E vcoefalou bem: acabamos acumulando um monte de coisas que devemos fazer e não abrimos espaço para o que queremos fazer, para nossa curiosidade, de uma maneira livre, sem muitos porquês. Oucooyvir falar desse livro, mas sua postagem foi a primeira que me deixou curiosa de ler. Obrigada!

    • Oie, Carolina! Obrigada pelo retorno. Espero que o doce e o despretensioso voltem por aí! bjão