O meu desafio pessoal desde quando comecei o mestrado é tentar encaixar na semana um momento para ler ou ver algo que não esteja na lista de tarefas obrigatórias. Pensando nisso, em novembro, assumi um compromisso comigo mesma: ler todo dia no café da manhã. Comecei por Má Feminista – ensaios provocativos de uma ativista desastrosa, da escritora Roxane Gay.
Em Má Feminista, Roxane se autodeclara feminista mas assume a complexidade do termo e do movimento feminista. Faz crítica com humor, traz alfinetadas inteligentes, e experiências pessoais que reforçam a máxima “o pessoal é político”. Além de lançar um olhar muito atento em determinadas produções culturais, como o filme Histórias Cruzadas.
Eu adoro ensaios/crônicas, ainda mais quando são autobiográficos. É a minha casadinha perfeita. E o tanto que eu amei o termo má feminista como uma oposição ao feminismo essencial? Não há um modo de ser feminista porque não existe um feminismo. Cada vez mais precisamos estar atentas na pluralidade dos movimentos para não cairmos nas armadilhas que acabam por excluir ao invés de reconhecer e aceitar as diferenças.
Roxane diz que é imperfeita como mulher e imperfeita como feminista. No ensaio Má feminista: tomada dois, a autora mostra diversas situações estereotipadas para exemplificar as suas imperfeições, que mostram apenas uma mulher que não deseja ser a superpoderosa exemplar do movimento.
Quero ser independente, mas quero que cuidem de mim e que haja alguém em casa para quem eu possa voltar. Tenho um emprego em que sou muito boa. Estou no comando das coisas. Estou em comitês. As pessoas me respeitam e vêm se aconselhar comigo. Quero ser forte e agir de modo profissional, mas ressinto-me em como tenho de trabalhar arduamente para ser levada a sério; para receber uma fração da consideração que de outra maneira eu receberia com facilidade.
A autora questiona o patriarcado, o machismo, o racismo, e boa parte dos seus ensaios perpassa pelo questionamento desse feminismo essencial ou feminismo universal. A discussão sempre traz um viés interseccional e mostra a importância da ampliação das pautas feministas.
Os relatos íntimos nos fazem pensar: que feminista sou ou estou me tornando? O que realmente é ser feminista para mim? E a autora nos abre a possibilidade de ser feminista e nos chama para sair da teoria e partir para uma prática feminista e assim também anti-racista.
Lide com seus preconceitos. Resista energicamente à tentação de ignorar o problema de gênero. Esforce-se e esforce-se e esforce-se, até que não precise mais; até que não precisemos mais manter este tipo de conversa. Mudança exige intenção e esforço. Ela é de fato bem simples.
O livro é dividido em cinco partes: Eu; Gênero e sexualidade; Raça e entretenimento; Política, gênero e raça; De volta ao meu eu. Em Gênero e sexualidade há o ensaio A linguagem negligente da violência sexual e uma das questões que a Roxane crítica é o termo cultura de estupro.
Vivemos em uma cultura excessivamente permissiva em relação ao estupro. Enquanto por um lado há muitas pessoas que o entendem, bem como os danos causados por ele, por outro, vivemos em uma época que exige a expressão “cultura do estupro”.
Se chegamos ao ponto de dizer cultura do estupro é porque já está normalizado demais. Roxane até diz que talvez usemos a expressão para falar de uma cultura permeada pela violência sexual, mas também sugere usarmos cultura estupradora e que comecemos a levar em consideração o impacto físico, a materialidade do estupro. É mais uma vez a autora nos chamando para sair do campo das ideias e partir para prática, para o material.
Ler Roxane Gay e seu Má Feminista é confrontar ideias e práticas normalizadas. É provocativo, educativo, e a sua maneira esperançoso porque nos diz que não precisamos seguir os rótulos impostos para lutar pelo que acreditamos. Nas palavras da própria autora, “não temos todos de acreditar no mesmo feminismo. Ele pode ser pluralista, desde que respeitemos os diferentes feminismos que levamos conosco; desde que nos esforcemos o suficiente para tentar minimizar as rupturas entre nós”.
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Post maravilhoso!!! Já entrou pra minha lista de leituras justamente pelos pontos que vc coloca aqui.
Que maravilha, Alê! Sem dúvidas, Má feminista é uma leitura que modifica a gente. Acredito que vc vai gostar. Bjão
Que maravilha, Alê! Sem dúvidas, Má feminista é uma leitura que modifica a gente. Acredito que vc vai gostar. Bjão
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