Entrevista com Anderson Henrique

Mas escritor é bicho teimoso. Se não fosse, não passaria dos primeiros parágrafos, dos primeiros textos. Errar faz parte do ciclo. Ser insistente e enfrentar paradigmas é coisa que está na essência de quem escreve. Se não estiver, o cara não vai em frente. É preciso confrontar, dar a cara pra bater (e tentar revidar de vez em quando).

Anderson Henrique

Anderson Henrique nasceu no Rio de Janeiro e é formado em Letras – Literaturas de Língua Portuguesa. O seu livro de estreia solo, Anelisa sangrava flores, reúne 13 contos de realismo fantástico, e foi publicado pela editora Penalux, que trabalha com publicação sob demanda. Na entrevista abaixo , Anderson comenta o cenário atual da literatura no Brasil, temas como novas mídias e escritores, nos conta sobre o processo de criação e publicação do Anelisa e seus próximos projetos literários.

Para você, como está o cenário da literatura brasileira contemporânea?

🙂 Vejo um cenário multifacetado. O avanço da tecnologia facilitou muito a publicação. Os modelos também evoluíram. Hoje em dia é possível publicar praticamente tudo, tanto em relação ao gênero quanto ao formato, dos trabalhos acadêmicos à poesia (que em outro momento imaginou-se que ficaria relegada a grupos específicos).

Está mais fácil ou difícil publicar?

🙂 As alternativas são muitas: crowdfunding, impressão sob demanda e até mesmo a possibilidade de se trabalhar apenas com a versão eletrônica do livro. Sob o aspecto da democratização, isso é extremamente positivo, pois dá voz a autores de gêneros ou segmentos que anteriormente seriam recusados por um mercado editorial engessado que ainda é orientado a fórmulas e padrões. A tecnologia permite também que autores e obras encontrem seus leitores com maior facilidade. Esses fenômenos são fáceis de se observar. Não é incomum que primeiros livros despontem de textos reunidos em blogs. Essa aproximação acaba por formar uma cadeia de leitores disposta a consumir o livro antes mesmo dele ser concebido. Tudo isso é extremamente positivo.

A facilidade, contudo, reserva armadilhas e mostra outro lado da realidade: muitos autores não estão prontos para a publicação. Como a tecnologia elimina o filtro de editores, revisores e etc., temos o lançamento de muitos livros com problemas primários. E veja só que curioso: a tecnologia facilita esse tipo de análise. Eu mesmo só começo a ler um livro depois de ter uma me aventurado por uma amostra do material. Se o autor não conseguir me segurar naquela amostra ou cometer erros grotescos, eu pulo para o próximo da fila. Com exceção para aqueles autores em quem você confia, claro. Há muito autor cultuado por aí que não está com o material pronto. Você vai atrás do livro e vê o quanto daquele material poderia ter sido lapidado nas etapas formais de uma edição. Temos, portanto, um cenário que facilita a publicação, mas que joga o autor em campo minado. Se não souber pisar…

Você citou o crowdfunding, financiamento coletivo, em que pessoas financiam projetos de outras, em troca de alguma recompensa, tipo receber a obra em primeira mão, ter o nome nos créditos, etc. Nesse processo o autor tem uma autonomia maior. Já pensou em utilizar?

🙂 Já cogitei o crowdfunding, mas pensando friamente eu percebi que eu teria que ser uma pessoa mais sociável, simpática e empreendedora do que realmente sou. Não sou o melhor exemplo. Tenho alguma dificuldade com grandes grupos sociais. Além disso, gosto mesmo é de escrever. Ter que me preocupar com outros aspectos do livro que não estejam relacionados à escrita é bastante complicado. Gosto de opinar na arte da capa, nos elementos gráficos do livro e direcionar o diagramador, mas é só. Ter que me preocupar com prazos, orçamentos e elementos exteriores ao livro não é pra mim. Respeito quem o faça, mas não acho que seja meu caminho. Creio que o crowdfunding funciona muito bem para escritores que também são empreendedores.

A internet também propiciou espaços em que os usuários podem expressar opiniões sobre variados assuntos. No contexto literário, os espaços que fazem mais sucesso são os blogs e vlogs. Nosso contato inicial foi através de um blog, em que você enviou um e-mail falando sobre o livro. Conte um pouco sobre a sua experiência e por que decidiu utilizar esses canais para divulgação.

🙂 Os blogs e suas variações surgiram para ocupar as lacunas deixadas pelos suplementos literários ou pela mídia especializada. O lado bom é que geralmente os blogs e suas variantes não tem amarras. São livres para trabalharem suas críticas da maneira que quiserem. Já li uma crítica do meu livro em que o blogueiro afirmou não ter apreciado o trabalho porque estava passando por um momento difícil na vida, e que por isso não conseguiu se concentrar na leitura, apesar de ter identificado uma ou outra qualidade na obra. Eu fiquei decepcionado ao ler a resenha por perceber que o livro ficou em segundo plano enquanto o resenhista falava apenas de si. Eu esperava uma análise detalhada do trabalho, sabe? Depois compreendi: tratava-se de uma crítica honesta. O livro não é só o que está em suas páginas. A leitura traz consigo uma série de aspectos externos que dependem muito do leitor. Talvez faltasse um pouco de profissionalismo por parte do blogueiro, mas o blog é apenas o espaço de alguém que resolveu expressar sua opinião. São leitores em formação (e quem não é?), pessoas que dedicam uma parcela de seu tempo para escrever sobre o que gostam. Refletindo melhor, pensei: você não me escapa. No próximo livro você estará em um momento bom e certamente se apaixonará pela minha escrita. A vida tem dessas coisas: o momento é uma variável que não se pode ignorar.

Quando lancei meu livro não tinha ideia do que as pessoas achariam dele. Eu tinha minha proposta, mas será que as pessoas embarcariam nela? Tomei, então, a liberdade de procurar alguns sites e blogs e pedir que publicassem suas opiniões. Felizmente não recebi nenhuma crítica que desaprovasse meu trabalho, até mesmo daqueles que pensei que não fizessem parte do meu público. Meu livro não seria nada sem o trabalho dos blogueiros. Tenho muito respeito por todos.

Prego a promiscuidade literária. Tenhamos dez ou vinte parceiros literários ao mesmo tempo. É saudável! Vivemos em uma era em que é muito fácil descobrir qualquer coisa.

Que dica daria para os leitores que buscam descobrir novos escritores brasileiros e fugir da lista dos mais vendidos? E você, tem algum escritor brasileiro contemporâneo que admira e acompanha a produção?

🙂 Percebo que muitos leitores procuram mais do mesmo. Ficam presos à fórmula ou ao estilo de certos autores. Não há mal nenhum nisso, mas que tal variar? É minha única dica. Eu tenho meus autores preferidos, que releio com frequência, mas se estivesse preso a eles, não teria conhecido a variedade de estilos e obras que conheci. Um exemplo: gosto muito do moçambicano Mia Couto, mas li tantos livros dele em sequência que em certo ponto comecei a achar que faltava variedade em sua obra. Dei um tempo do cara e só depois retornei a seus livros. Foi como redescobrir uma paixão. Às vezes é preciso se afastar para perceber o que faz falta. Prego a promiscuidade literária. Tenhamos dez ou vinte parceiros literários ao mesmo tempo. É saudável! Vivemos em uma era em que é muito fácil descobrir qualquer coisa.

Há alguns autores contemporâneos que admiro. Li recentemente o incrível romance “A tristeza extraordinária do leopardo-das-neves”, do brasileiro Joca Reiners Terron e achei genial. Aprecio muito a escrita da Adriana Lisboa e do Carlos Henrique Schroeder. O Amílcar Bettega é outro autor genial.

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Agora nos conte um pouco sobre a produção do “Anelisa sangrava flores”. De onde veio a inspiração?

🙂 Anelisa é meu primeiro livro e alguns dos textos são bem antigos. Quando os escrevi, estava imerso no universo de autores de literatura fantástica como Borges, Murilo Rubião e Júlio Cortázar. Não posso dizer que estes autores me serviram de inspiração, mas certamente funcionaram como estímulo à minha literatura. Identifiquei um padrão conforme revisava meus textos e resolvi juntar aqueles que compartilhavam similaridades para formular a coletânea. Como trata-se de um livro de contos, cada texto possui seu próprio microuniverso. As inspirações, portanto, variam. Grande parte veio de sonhos ou de pura observação do cotidiano.

Como foi processo de publicação? E como está sendo a divulgação?

🙂 O processo do Anelisa não foi muito simples. Minha primeira dificuldade com o livro foi logo na etapa de publicação. Tentei dezenas de editoras, entre grandes e modestas. Fui rejeitado por todas. Diante disso, é possível imaginar que minha obra talvez não tivesse qualidade suficiente para publicação. É algo esperado, certo? Uma obra precisa ser avaliada e nem sempre o autor acerta na mão. Porém, não foi o caso. Na maioria das recusas que recebi, meu livro sequer chegou a ser avaliado. O motivo? Não há interesse em publicar livros de contos. Essas recusas me fizeram desistir por um tempo. Desanimei. Pensei que realmente não era para ser.

Mas escritor é bicho teimoso. Se não fosse, não passaria dos primeiros parágrafos, dos primeiros textos. Errar faz parte do ciclo. Ser insistente e enfrentar paradigmas é coisa que está na essência de quem escreve. Se não estiver, o cara não vai em frente. É preciso confrontar, dar a cara pra bater (e tentar revidar de vez em quando). Engavetei meu livro e desencanei de publicar. Segui escrevendo apenas pra mim, com a ideia de publicação repousando em algum lugar da mente.

Então novo incentivo surgiu. Uma moça chamada Ana Paula apareceu em minha vida (hoje é minha esposa), conheceu meus textos e teimou que eles não poderiam ficar guardados na gaveta. Ela é do meio editorial, mas da área médica. Apesar de não ser sua especialidade, viu que havia qualidade no que eu escrevia e resolveu me ajudar. Revisou meus textos, organizou em um novo livro com pequenas mudanças e me incentivou a tentar novamente. Mais uma vez, uma série de recusas. Cheguei novamente à conclusão que não era pra ser. Ela pesquisou então editoras menores e depois de alguma insistência, meu livro finalmente saiu por uma editora aqui do RJ. O modelo de publicação era um tanto alternativo na época, publicação por demanda, em escala bem pequena. Achei um modelo válido, economicamente viável para a editora e para um autor estreante. Felicidade então? Não ainda.

A edição saiu com uma qualidade péssima (capa, diagramação e etc.). Rescindi o contrato depois de uma série de desencontros com a editora para tentar ajustar estes pontos (eram extremamente amadores). A questão é que vendi alguns livros no lançamento e a recepção do livro foi positiva. Recomecei então todo o processo, até encontrar a editora Penalux, que trabalha com um modelo similar, também sob demanda, mas que possui um zelo muito maior com a qualidade de seus livros.

Depois da publicação surge um novo combate: achar espaço entre tantos livros que são publicados. Além das dificuldades imagináveis, mais uma vez a questão do formato surgiu. Muito blogueiros me afirmaram que não leem ou que não gostam de livros de contos. Desafiei alguns a ler meu livro, distribuí algumas cópias e felizmente tive um parecer positivo. Mesmo leitores que não estavam habituados ao formato acabaram se rendendo (uma pesquisa pelo nome do livro irá revelar uma dezena de resenhas positivas sobre meu trabalho). Venho batalhando para ser lido e para fazer o Anelisa sangrar por aí. O número das vendas é modesto, mas aos poucos vou encontrando meu espaço.

O mundo da escrita é feito de conexões. Às vezes você está trabalhando em um texto com uma proposta específica e acaba encontrando em outros autores algum gancho ou perspectiva que você ainda não havia alcançado.

E quais são seus próximos passos? Há algum livro em produção, projetos?

🙂 Meu processo de escrita é um tanto conturbado, mas não acredito que isso seja exclusividade minha. Escrevo quando posso, quando há tempo ou quando ele sobra (raríssimo!). É preciso inventar brechas malucas na rotina. Sou um escritor de oportunidade, que rabisca à mão em um pequeno bloco, em algum aplicativo do celular, durante uma noite de insônia ou até mesmo no livro de outros autores que estou lendo. O mundo da escrita é feito de conexões. Às vezes você está trabalhando em um texto com uma proposta específica e acaba encontrando em outros autores algum gancho ou perspectiva que você ainda não havia alcançado. Tudo é material. Comecei o ano escrevendo um novo livro de contos, que julgava interessante, mas no meio do caminho percebi uma ligação entre os textos e seus personagens. Resolvi aprisioná-los em um romance e estou inclinado a seguir com essa proposta, mas é possível que mude de ideia. Não há como prever. A questão é que eu gosto muito do formato conto. É uma dinâmica que me agrada pra caramba. Eventualmente penso em desmanchar o romance e trazê-lo de volta à ideia original. Percebo, porém, que o público prefere o romance, o que acho uma contradição. Quem tem tempo para ler um romance de 700 páginas hoje em dia? Um conto de 5 páginas não se encaixa bem melhor em nossa realidade? Eu leio romances, claro, não tenho problemas com qualquer formato, mas ao escrever, o conto tem minha predileção. Sempre me recordo de uma tese emblemática de Borges ao defender seu conto Tlön Uqbar, Orbis Tertius: “Desvario trabalhoso e empobrecedor o de compor vastos livros; o de espraiar em quinhentas páginas uma ideia cuja perfeita exposição oral cabe em poucos minutos. (…) Mais razoável, mais inepto, mais preguiçoso, eu preferi escrever notas sobre livros imaginários.” Note que ele até zomba de si próprio. Se há uma coisa que está longe de ser preguiçosa, é a capacidade inventiva de Borges.

Voltando: meu próximo livro trará um pouco mais das características que existem no Anelisa, com um lugar de destaque para o fantástico urbano. Serão novos personagens e situações absurdas. Se no Anelisa tínhamos uma mulher que sangrava flores, no próximo livro teremos um adivinho cansado da sua incapacidade de ser surpreendido, um homem que julga ser a reencarnação de Adão (sim, é quem vocês estão pensando) e um músico atormentado pelas notas de uma única canção. Por enquanto, é apenas o que posso adiantar.

Além disso, escrevo um ou outro conto que não tem nada a ver com o livro que julgo estar produzindo. São pequenos escapes. Gozo rápido. Gosto também da microliteratura e dos microcontos. Escrevo alguns, ocasionalmente. Parte já foi publicada em meu blog. Acredito que teremos novidades em 2016. Torçam para que eu consiga lidar com minha capacidade de criar oportunidades para escrever.

Espalhe por aí:

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