[…] Rick, de pé junto à porta, disse: – Então a implicação de Nietzsche para você é bem simples. Se esta organização real e sinceramente acredita que um terrível mal foi feito aos pacientes de Seth e se restou alguma integridade a esta organização, então existe um único curso aberto a você – isto é, se você quiser agir de maneira moral e legalmente responsável.
– E o que é? – Perguntou Weldon.
– Recall!
[…] Mas recall – disse Morris Fender –, por causa de interpretação errada?
– Não minimize uma questão séria, Morris – disse Marshal. – Existe alguma ferramenta analítica mais poderosa que a interpretação? E não estamos de acordo de que a formulação de Seth é, ao mesmo tempo, errada e perigosa?¹
De início quero pedir desculpas pela transcrição um pouco prolongada; mas esta se faz necessária para dar o tom à discussão que quero propor – fruto das reflexões que as mesmas provocaram em mim.
No decurso do capítulo sete, mais que um julgamento dos atos de um profissional da área de saúde mental, um emaranhado de questões éticas, concepções ideológicas e jogos de interesses são lançados à roda de discussões – o que provocou em mim as reflexões sobre o perfil, o caráter e a formação de algumas profissões, a saber: médicos, psicólogo/psicanalistas e professores.
Três categorias extremamente importantes e à mesma medida perigosas. Um médico pode tanto contribuir à preservação da dádiva da vida quanto tirá-la. De igual modo o psicólogo/psicanalista. A mente do ser humano é o que nos faz singular em todos os aspectos. E trabalhar com esse cristal fino requer não só técnica como destreza. Praticamente um dom. Assim como o ser professor. Ser que tem a árdua missão de contribuir no lapidar das “pedras brutas” para que estas se descubram preciosas e explorem o seu potencial.
Mas assim como há médicos negligentes que tiram, literalmente, a vida daqueles que de alguma forma lhes confiaram a sua essência, e psicólogo/psicanalistas que desvirtuam o eixo psíquico daqueles que lhes recorreram em busca de ajuda, há professores que agem da mesma forma. Quando não atrofiam os seus potenciais, matam os seus sonhos e os tornam em meros robôs – seguidores dos velhos rastros orbitais que foram deixados pelos seus antepassados (sem a menor condição de desbravar o resto do universo e outras galáxias).
Isso me fez pensar nas pessoas e profissionais que estão à minha volta. Quantas pessoas, que por “conhecer”, eu jamais as procurariam como profissional na área em que atuam? E quantos profissionais, que faço uso dos seus serviços, outras pessoas (por as “conhecerem”) jamais as procurariam como profissionais na área em que atuam? Conhecer ou não conhecer. Eis o “x” da questão?
Numa sociedade que valoriza e incentiva cada vez mais o individual – para não dizer o egoísmo – e as pessoas praticamente não se relacionam mais com profundidade, “conhecer” o outro se constitui missão quase que impossível. E conhecer é elemento básico no processo de confiança e, consequentemente, de entrega. Sim! De entrega. Afinal das contas, não vamos, ou não deveríamos ir, a qualquer médico para tratar de alguma doença – principalmente se for algo delicado ou que envolva procedimento cirúrgico. Como não compartilhamos nossos segredos, medos e conflitos a qualquer pessoa (ou profissional de saúde mental). Tudo é uma questão de confiança; de entrega.
Infelizmente isso raramente acontece na educação. Entregamos nossas crianças e adolescentes à mercê de meros desconhecidos. E na grande maioria das vezes nem nos damos o trabalho de buscar conhecer esse profissional. Quem é? Como pensa? Como exerce as suas técnicas? Como vê esse ser “objeto/pedra” que tem diante de si para ajudar no processo de lapidação?
Submergidos em nossas redomas particulares não buscamos realmente conhecer o outro e, muito menos, nos permitimos deixar nos conhecer. E, assim, seguimos na superfície da vida. Sem aprofundamento. Sem relacionamentos. Sem conhecer a nós mesmos. Doentes. Contaminados. Infectados…
Os interesses socioeconômicos, o status quo, sobrepondo à essência humana. Transformando em banal o que outrora já fora preciosidade… Fabricando sujeitos vazios; humanos, desumanos; profissionais medíocres.
É lamentável como negligenciamos a dádiva da vida, que nos fora presenteada, em muitíssimos aspectos e níveis. Como sujeitos ou profissionais.
Quem sou eu e que profissional sou? Façamos todos essa reflexão!
¹YALOM, Irvin D. Mentiras no divã. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006, p. 156 – 157