Carta amarela nunca enviada

“Quantos quase cabem num segundo?”.

Eu não sei por que estou escrevendo essa carta. Sei que nunca a enviarei para você. Talvez esteja escrevendo para ter coragem. Mas sei que não, isso não adiantará. Ou talvez esteja escrevendo para aceitar que você não sairá daí e que eu não sairei daqui e que seremos uma frase de uma música solta no universo em uma noite de sábado…  “Nada a ver ficar assim sonhando separado se no fundo a gente quer o dia a dia lado a lado. Eu não vou deixar você com esse medo de se aproximar. Pra ter um fim toda história um dia tem que começar… Então me diz por quê? Por que que um raio cai? Por que o sol se vai?” (Dia a dia, Lado a lado – Jeneci e Tulipa Ruiz)

Se nos musicassem, acho que hoje seríamos essa música de Tulipa Ruiz e Marcelo Jeneci. Seríamos raios que não caem duas vezes no mesmo lugar. Seríamos Lua e Sol. Marte e Júpiter. Uma vez na vida nos encontraríamos nessas voltas que o universo dá. Seríamos eclipse. Seríamos tempestade de meteoros. Seríamos se fossemos. Seríamos…

“Nada a ver ficar assim sonhando separado se no fundo a gente quer o dia a dia lado a lado.”

Eu sei. Nada a ver a gente ficar assim sonhando separado. Mas o que eu posso fazer se parece que a vida nos fez assim? Você ai e eu exatamente aqui. E isso parece ser tão natural. Tão natural como uma planta que brota em meio a uma brecha no cimento. Tão natural como o calor do verão… Parece tão natural você ai e eu aqui que chega a doer não poder fazer nada.

Eu sei que nunca te disse e talvez seja por isso que eu não vou te enviar essa carta… Mas eu cheguei a te amar. Eu te esperei em silêncio sem que você soubesse. Eu não parei de viver e fiquei sentado ao lado do telefone esperando você ligar. Não foi nesse nível de insanidade comum nas paixões adolescentes…. Mas te esperei retornar da sua viagem em busca de algo que acho que nem mesmo você mesmo sabia o que era. Te esperei tocar o interfone e dizer: “Estou aqui. Vim para ficar”. Te esperei, te esperei, te esperei… Até que não deu mais.

Não deu mais para esperar você perder o medo de deixar alguém entrar no seu mundo e mudar os móveis de lugar. Não deu mais para te esperar, desculpas. Eu queria. Eu tentei, você sabe que tentei. Mas você não deixou brecha e eu não sou sadomasoquista. Já fui na adolescência. Mas correr atrás de você era como estar correndo em uma esteira. Parecia não ir a lugar algum enquanto você permanecia ali sentado sorrindo para mim, me motivando… Mas só de elogios não se vive, muito menos de promessas, não é mesmo? Esperei você ligar quando tivesse tempo para conversarmos, esperei… Até que não quis esperar mais.

“Valeu por todo dia que te vi. Valeu, mas eu vou resistir.

O seu isqueiro azul tá aqui. Será que você vai lembrar?

No fundo eu te espero em outra vida. Também não vejo outra saída e já nem é a primeira vez… Cê sabe, eu já te conhecia.” (Tiê, Isqueiro Azul)

Eu te conhecia. Eu sabia dos seus medos. Eu sabia do seu receio em abrir sua casa, em deixar outra pessoa entrar, em deixar-se envolver além de um final de semana. Eu sabia dos seus planos, projetos… Eu sabia que o trabalho e os sonhos vinham em primeiro lugar. Eu sabia que você planejava uma vida sozinho. Eu sabia que a solidão era a sua companhia. E eu apenas tentei resistir ao inevitável e sonhei com um longametragem em que o roteiro tem reviravoltas, mas o casal permanece junto no final, feliz da vida…

Eu sei também que na primeira vez fui eu que não quis mudar os móveis de lugar por receio de algo que até hoje eu nem sei o que… Mas o que só descobri depois foi que era inevitável não me apaixonar ou não sonhar com seus beijos e carinhos… Mas também era inevitável essa nossa forma de amar em reticências com você aí e eu aqui.

Valeu por todo dia que te vi. Valeu, mas eu vou resistir…

“A sua chave eu deixo aí ou será que você vem buscar?”.

09:53 AM, oito de novembro de uma segunda-feira de verão cinza sem previsão de sol

M.P.

 É natural que seja assim. Você aí. E eu aqui, exatamente aqui… que chega a doer.

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