A nossa intimidade. Tão rara. Tão rarefeita…

Sabe o que eu mais gostava na gente? A nossa intimidade tão rara. Tão rarefeita… Tão cheia de sinceridades. Nunca escondemos nada um do outro. Eu sabia dos seus temores. Você sabia dos meus fantasmas. Eu sabia dos seus projetos que o levavam para longe de mim. Você sabia dos meus planos que te tiravam da minha rota.

Será que foi isso, a falta de mistério, que nos afastou? Você sabe né? O mistério está intrínseco nas relações amorosas. Quanto mais você esconde, mais dono do poder você é. Mas nós não precisávamos esconder nada um do outro. Mesmo sem verbalizar, sabíamos o que estávamos pensando. Mesmo nos dias em silêncio que ficávamos sem nos falar, sabíamos o delito ou deleite que queríamos cometer…

Eu sei. Nós sabíamos onde isso tudo nos levaria. Aqui? Assim, você aí e eu aqui? Não sei se tínhamos tanta certeza. Talvez ainda tivéssemos uma ponta de esperança. Mas por quê? Por que era raro não precisar se esconder atrás de uma máscara social. Não era preciso demonstrar estar sempre feliz. Não era preciso enganar. Não era preciso parecer melhor do que se era. Éramos eu e você com defeitos, traumas, medos, receios… E um coração que batia igual.

O nosso único problema era e talvez ainda seja a rotina tão sufocante, os dias tão distantes e os sonhos, planos, projetos tão diferentes. Você pensa em Norte, eu penso em sul. Nossos roteiros parecem que foram traçados para nos testar. E a nossa intimidade, essa tão rara que de tão rara tornou-se rarefeita, desfazendo-se aos poucos a cada arfar dos pulmões na sua cama amarrotada depois de uma noite de sexo…

Nossa intimidade nunca teve rótulos. Nunca fomos namorados, amantes, ficantes, sexo casual, amigos… Nunca fomos mais do que poderíamos ser. E nessa falta de rótulos, tínhamos apenas uma cláusula, quase invisível, quase ilegível, mas consistente: “Você jamais me pediria para largar tudo por você. Eu jamais largaria tudo por você”. E foi exatamente essa cláusula que nos trouxe aqui, ao hoje, ao agora…

Já havíamos feito isso em outras relações e sabíamos o perigo do: Larguei tudo por você. Sabíamos as feriadas que isso acarreta. Sabíamos da rachadura que surge na parede da sala quando algo não dá certo e aos poucos vai tomando os outros cômodos. Sabíamos e sabemos o perigo de uma relação em que alguém muda o estado, físico e geográfico. Somos sábios? Não. Se fôssemos, diriam que nem teríamos nos envolvido, pois sabíamos onde isso nos levaria. Mas talvez sejamos sábios por isso, por termos romanceado a rotina e por termos tido a coragem de viver algo que nem nós sabíamos explicar direito o que era… Era amor? Era paixão? Só sei que o dia a dia ficava mais interessante quando estávamos lado a lado, não era? Como dizem os apaixonados, ficava azul da cor do mar.

Sim. Vivemos um romance. De verão? Não. Não foi tão fugaz assim. Mas teve a leveza da estação mais quente do ano. Ainda tem a leveza do verão. Ainda lembro de você com um sorriso na ponta do estômago. Um sorriso de excitação. Um sorriso com uma pontada de angústia e prazer. Um sorriso que lembra uma marca de sol na pele e aos poucos vou despelando, desbotando como todo bronzeado… Será que um dia te esquecerei para sempre?

Foi tão bom tudo que vivi ao seu lado e isso é tão raro. E lá volto eu para a tal da intimidade. Aquela que nos leva ao silêncio que não é pesado, muito menos incômodo. Aquela em que eu sei dos seus medos, mesmo que você não os verbalize. Aquela em que você sabe o quão certas coisas são importantes para mim e que você não pode me obrigar a abrir mão delas. Aquela intimidade em que o primeiro sexo não teve indiferença ou estranhamento. É… Você lembra? A gente sabia desde aquele nosso primeiro sexo, em que nossos corpos se alinharam feito faz a lua, o sol e a terra em momentos de eclipse… Naquele momento em que nossas respirações criaram uma sinfonia dentro do quarto e nossos corpos dançaram uma valsa entrelaçados, suados, afoitos um pelo outro… Naquele momento em que a penetração e as línguas em sintonia nos uniram em uma sinergia inexplicável…. Naquele momento perdido no espaço/tempo, eu levei para casa um pedaço seu e deixei com você mais do que meu cheiro entre seus lençóis.

Naquele momento, há dois anos, nem lembro mais direito… nos tornamos algo tão raro, algo tão… Tão… Que não temos explicação até hoje. Nos tornamos íntimos. Mas íntimos em uma intimidade sem rótulos, aprisionamento, sentimentalismo banal ou existencialismo. Uma intimidade nossa. Particular. Única. Assim como falei acima, eu acho, se ainda me lembro de tudo que falei… Uma intimidade tão rara, tão rarefeita como quando a lua encontra a terra e o sol no mesmo espaço de tempo. E tudo por um momento se alinha, se perde, se refaz, muda, volta para o mesmo lugar…

Somos feitos de instantes.

Somos feitos de acasos.

E você foi o melhor instante e o melhor acaso desses últimos tempos.

 

Um dia nos realinharemos de novo quando a órbita deixar ou quando nossos planos coincidirem.  Será que um dia esses meus sonhos malucos e seus projetos nos levarão ao mesmo lugar? Não sei. Nunca saberemos…

 

Seja feliz nessa sua estrada ao norte.

Estou indo para o sul.

Você sempre será uma inspiração para mim.

Boa sorte!

 

 

M.P.

Dia de reis, seis de janeiro de 2015. Uma primeira carta do ano. Um adeus. Um até logo. Um até mais…

 

P.S.: Tchau. Fique bem. Espero que seja feliz ao lado de outro alguém.

Espalhe por aí:

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