A sociedade patriarcal heteronormativa dita modos de ser e de viver desde quando somos apenas sonhos e desejos de uma ou mais pessoas. Ao se anunciar a chegada de uma criança, logo começam questões relativas ao gênero – cores, decoração, brinquedos. Há projeções na vida da criança de todo lado, que quase sempre cresce um adulto limitado por uma perspectiva fechada de gênero.
Atualmente temos o “chá revelação”. Achava mais divertido quando era apenas um chá para bebê. Me passava a ideia de que as pessoas estavam ali celebrando o nascimento de uma criança e apoiando uma família que estava iniciando um novo momento na vida. Acredito que o “chá revelação” também vai um pouco por essa linha, mas a direção maior é na descoberta de ser menina ou menino.
Tratar sobre esses temas ainda é algo complexo, mas é necessário. Essa sociedade patriarcal heteronormativa exclui, oprimi e violenta diversas outras pessoas que fogem do padrão aceito socialmente. É urgente reconhecer, acolher e respeitar as diferenças.
Talvez muitas famílias se questionem como iniciar um diálogo para abordar identidade de gênero. A escola é um espaço, porém não é o único. O primeiro espaço social de uma criança é a família. E é nele que se pode iniciar diversas conversas sobre questões sociais a partir de filmes, séries, animações e leituras!
Uma recomendação de leitura para iniciar um diálogo sobre identidade de gênero é o O Urso-Coelho, da Andrea J. Loney, com ilustrações de Carmen Saldña. O livro infantil foi traduzido no Brasil por Marília Garcia para a editora Tordesilhinhas, em 2021.
A autora começa o livro com a frase “Era uma vez um urso que era bem mais que um urso” para contar a história de um Urso que na frente de outros ursos buscava atender as expectativas de ser um urso – fazer muito barulho, pegar peixes, comer carne, ficar em pé como um urso. Mas quando estava sozinho, ele se sentia livre para ser quem realmente gostaria – um animal que saltitava feliz pela floresta, comia morangos e que se autodenominava de Urso-coelho.
Em um dos seus passeios pela floresta, o Urso-coelho segue uma coelha e acaba encontrando uma toca de coelhos. Para esse encontro de diferentes, Andrea escolhe expressões sensíveis para demonstrar a identificação que o Urso sente. Ali ele havia encontrando coelhos que eram “miudinhos e fofos e saltitantes, assim como o coração do Urso-coelho.” Era como ele se sentia por dentro e não a aparência que precisava manter para não ser rejeitado pela comunidade de bichos e principalmente pelos ursos.
Mas será que a toca de coelhos ia aceitar o Urso-coelho tão facilmente? Infelizmente, não. E foi através da voz de um coelho ancião que o Urso-coelho ouviu que de maneira alguma ele era um coelho. Após esse triste acontecimento, o Urso-coelho fica um pouco isolado, até que é surpreendido por uma coelha que se apresenta como uma Coelha-panda.
Através do encontro dos diferentes, Andrea mostra a importância da empatia e do acolhimento. O Urso-coelho é mais receptivo à estranheza de encontrar uma coelha que diz ser uma panda porque ele mesmo é um urso-coelho. Estar perto dos “seus”, te faz sentir um pouco mais livre para ser quem realmente se é. Na adolescência é bem comum, por exemplo, que os jovens se afastem do convívio familiar por não enxergar ali um espaço de acolhimento. Há uma busca de reconhecimento e afeto que eles, muitas vezes, não encontram em casa devido aos conflitos geracionais.
O encontro do Urso-coelho com a Coelha-panda fez um rebuliço na vida dos dois e também na comunidade dos bichos. O livro da Andrea ilustra a importância da criação de laços e do respeito à diversidade para a manutenção da arte de viver em conjunto. E também nos dá a oportunidade de começar a abordar as temáticas da empatia e diversidade desde cedo com as crianças através da leitura.
Recebi o livro da Editora Tordesilhinhas. Muito obrigada!
Se quiser, acompanhe a editora no Instagram – @tordesilhaslivros
Uau, que livro incrível, e o seu texto falando sobre ele também ficou espetacular, adorei muito, sério.
Esse livro é mais do que necessário não só para crianças, mas para adultos também, quem sabe levar eles a refletirem e repensarem algumas atitudes que foram pré-impostas a eles, afinal nunca é tarde para se desconstruir. Muito bom!
Beijos,
Livro de Memórias
obrigada, Renata!
também acho uma leitura importante para os adultos.
bjão!
Adoro indicações de livros infantis, porque é muito difícil saber o que comprar pra minha filha. Muito obrigada por essa dica, eu já vou procurar aqui por esse, bjks
que bom que gostou, Flávia!
boa leitura para vocês!
bjs
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